Sobre a Teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy

Atividade 3: Ubirajara T Schier – Ética e Direito 2025/1


1) De que maneira os critérios de ponderação dos princípios podem evitar a arbitrariedade na decisão judicial?


Os critérios de ponderação dos princípios evitam a arbitrariedade na decisão judicial porque oferecem um suporte normativo racional, permitindo justificar a precedência de um princípio sobre outro com base em circunstâncias concretas, e não em juízos subjetivos ou discricionários. Segundo Alexy, a relação de precedência entre princípios pode ser formulada da seguinte forma:

“As condições sob as quais um princípio tem precedência em face de outro constituem o suporte fático de uma regra que expressa a consequência jurídica do princípio que tem precedência.” (Alexy, 2015, p. 99)

A deliberação ponderativa começa com um juízo empírico, que identifica a colisão entre princípios — isto é, uma situação em que dois mandamentos de otimização não podem ser plenamente realizados ao mesmo tempo. Em um segundo momento, a partir de um juízo normativo, determinam-se as condições sob as quais um princípio pode ter precedência sobre outro. Por fim, realiza-se o juízo de peso, no qual se avalia se os efeitos jurídicos e fáticos da realização de um dos princípios justificam, em termos proporcionais, os efeitos decorrentes da não realização do princípio contraposto.

Esse processo pode ser ilustrado com o caso da obrigatoriedade do uso de máscaras durante a pandemia de COVID-19. A medida imposta pelo Estado gerou uma colisão entre o princípio da liberdade individual (não ser forçado a usar um acessório) e o princípio da proteção à saúde pública e à vida.

O juízo empírico reconheceu a colisão e considerou dados concretos, como a eficácia das máscaras na contenção da transmissão do vírus e o risco de colapso do sistema de saúde. O juízo normativo identificou que, em contextos de emergência sanitária e alto risco de contágio, os interesses de proteção coletiva à vida ganham relevância superior. Assim, formulou-se uma regra condicional de precedência:

Em situações de grave risco à saúde pública, o princípio da proteção à vida tem precedência sobre o princípio da liberdade individual no tocante ao uso obrigatório de máscaras.

Por fim, no juízo de peso, avaliou-se que os resultados da aplicação do princípio da saúde pública (redução do contágio, proteção da vida de terceiros) justificavam a limitação pontual à liberdade individual, considerando que os efeitos sobre o princípio contraposto eram mínimos e temporários.

O resultado é uma decisão juridicamente justificada, que transforma a colisão entre princípios em uma regra condicional aplicável sob as mesmas condições, assegurando coerência, controle institucional e legitimidade discursiva, conforme os pressupostos do Estado de Direito.


2) Como o modelo combinado de regras e princípios, proposto por Alexy, consegue articular a necessidade de segurança jurídica com a busca por justiça material?


O modelo combinado de regras e princípios, proposto por Robert Alexy, consegue articular a necessidade de segurança jurídica com a busca por justiça material ao equilibrar as limitações de modelos puramente formalistas com as de abordagens exclusivamente axiológicas. Um sistema baseado apenas em regras favorece a previsibilidade e a estabilidade das decisões — elementos essenciais à segurança jurídica —, mas tende a ser insensível às particularidades dos casos concretos, podendo gerar resultados materialmente injustos. Por outro lado, um sistema fundado unicamente em princípios permite sensibilidade ao caso concreto e à complexidade moral envolvida, mas corre o risco de insegurança normativa e de relativização da aplicação do direito.

Ao distinguir estruturalmente regras e princípios, Alexy preserva as virtudes de ambos. As regras, aplicáveis segundo a lógica do “tudo ou nada”, garantem estabilidade e coerência na prática jurídica. Já os princípios, definidos como mandamentos de otimização, permitem a realização de valores constitucionais de modo graduável, especialmente por meio da ponderação em casos de colisão.

Quando princípios entram em conflito, a aplicação da lei da colisão, que estrutura a ponderação, possibilita avaliar em que condições fáticas e jurídicas um princípio deve ter precedência sobre outro, com base em uma deliberação racional sobre os efeitos da realização (ou da não realização) de cada um. Essa ponderação permite corrigir rigidamente a aplicação de regras que, se aplicadas de forma cega, poderiam gerar injustiças.

Desse modo, o modelo de Alexy não abandona a segurança jurídica garantida pelas regras, mas a complementa com a flexibilidade dos princípios, especialmente nos chamados “casos difíceis”. A estrutura do direito torna-se, assim, capaz de oferecer soluções normativamente vinculantes, mas também moralmente sensíveis — atendendo tanto às exigências de um Estado de Direito formal quanto às de uma justiça constitucional substantiva.


3) Quais são os potenciais riscos de uma abordagem puramente axiológica, especialmente quando se trata de assegurar direitos fundamentais (ver o modelo puro de princípios)?


Uma abordagem puramente axiológica, que reconhece apenas princípios como normas jurídicas e orienta as decisões exclusivamente pela realização de valores no caso concreto, expõe o direito a uma série de riscos teóricos e institucionais. Robert Alexy examina essas fragilidades ao discutir três objeções centrais ao conceito de princípio: a invalidade de princípios, os princípios absolutos e a amplitude excessiva do conceito. Cada uma dessas objeções revela efeitos práticos indesejáveis que comprometem a racionalidade e a legitimidade da ordem jurídica.

A primeira objeção, relacionada à invalidade de princípios, evidencia que certos enunciados que se apresentam como princípios — como o da segregação racial — são moral e juridicamente inadmissíveis. Ao tratá-los como elementos ponderáveis, o modelo puramente axiológico corre o risco de legitimar valores incompatíveis com a dignidade e os direitos fundamentais, enfraquecendo os critérios de validade das normas constitucionais e abrindo espaço para arbitrariedades valorativas.

A segunda objeção recai sobre os princípios tratados como absolutos, ou seja, aqueles que nunca podem ser limitados ou ponderados em face de outros. Essa abordagem rompe com a própria lógica da ponderação e transforma o princípio absoluto em fonte de rigidez normativa, eliminando o espaço da deliberação racional. Ao fazê-lo, introduz-se o risco de autoritarismo jurídico, pois as decisões passam a ser justificadas por fundamentos colocados fora do alcance do contraditório e da argumentação.

Já a terceira objeção refere-se à amplitude excessiva do conceito de princípio. Quando tudo pode ser elevado à condição de princípio — interesses, políticas públicas, preferências coletivas —, o conceito perde densidade normativa. Isso conduz à insegurança jurídica, à medida que o julgador passa a dispor de um leque indefinido de valores para ponderar, favorecendo decisões baseadas em critérios morais subjetivos ou intuitivos. O resultado é a quebra da coerência interna do direito e a possibilidade de desigualdade entre casos semelhantes, julgados de forma divergente com base em valorações individuais.

Alexy responde a essas objeções delimitando conceitualmente o que conta como princípio válido: exclui postulados incompatíveis com a Constituição, rejeita a ideia de princípios absolutos e estrutura a ponderação por meio da lei da colisão, que permite a formulação de regras de precedência condicionada. Com isso, a teoria dos princípios deixa de ser um instrumento livre de valoração moral e passa a operar dentro de uma estrutura normativa que assegura a racionalidade, a crítica pública e a integridade do sistema jurídico.

Assim, a crítica de Alexy ao modelo puramente axiológico não recusa a importância dos princípios, mas busca integrá-los a um modelo normativo que evita o decisionismo, assegura coerência e protege os direitos fundamentais com densidade argumentativa e legitimidade institucional.


4 Considerando a aplicação “tudo ou nada” das regras, quais as limitações desse modelo no tratamento de situações excepcionais?


O modelo puramente baseado em regras, que entende o direito como um sistema de normas aplicáveis segundo a lógica do “tudo ou nada”, busca assegurar segurança jurídica e previsibilidade por meio da aplicação rígida de comandos normativos. No entanto, ao reduzir a atividade jurídica à mera subsunção entre fatos e normas, esse modelo fracassa diante de situações excepcionais, nas quais a aplicação literal da regra pode gerar injustiças concretas. Robert Alexy evidencia essas limitações ao analisá-lo em três contextos típicos de aplicação de direitos fundamentais: os garantidos sem reserva, os submetidos à reserva simples e os condicionados por reserva qualificada.

A primeira limitação aparece nos casos de direitos fundamentais garantidos sem reserva, como a liberdade de expressão ou de crença. Nessa lógica, esses direitos seriam incondicionais, imunes a qualquer restrição. No entanto, mesmo esses direitos colidem, na prática, com outros bens jurídicos relevantes, como a dignidade da pessoa humana ou a proteção contra o discurso de ódio. A aplicação cega da regra torna o modelo insensível a danos sociais concretos e obriga os intérpretes a criarem exceções implícitas para evitar resultados absurdos — o que contradiz a própria rigidez normativa que se pretende preservar.

A segunda limitação ocorre no caso dos direitos com reserva simples, como a liberdade de locomoção. Nesse contexto, o modelo puro de regras considera suficiente a existência de base legal para validar restrições. Isso permite que o legislador infraconstitucional limite o direito com base em justificativas genéricas, sem qualquer controle material sobre a legitimidade ou a proporcionalidade da medida. O resultado é a fragilização do direito diante do arbítrio legislativo, já que o modelo não prevê critérios para limitar o conteúdo da restrição.

A terceira limitação refere-se aos direitos com reserva qualificada, como o direito à inviolabilidade do domicílio, cuja restrição só é legítima quando voltada à realização de fins constitucionalmente determinados, como a segurança pública ou a proteção da saúde. O modelo puramente formal, ao apenas verificar se o texto legal menciona um desses fins, dispensa a análise do conteúdo real da norma. Assim, uma lei que cite um fim legítimo, mas imponha medidas desproporcionais ou abusivas, passaria incólume pela lógica do modelo, deixando o direito fundamental desprotegido em seu núcleo essencial.

Para responder a essas insuficiências, Alexy propõe um modelo normativo que integra regras e princípios, estruturado por critérios racionais de aplicação. As regras continuam a assegurar segurança jurídica, mas, em casos de colisão ou exceção, devem ser interpretadas à luz dos princípios constitucionais, mediante ponderação fundamentada, conforme a lei da colisão e a formulação de regras de precedência condicionada.

Assim, a crítica de Alexy ao modelo puramente formalista não rejeita a importância das regras, mas demonstra que, isoladamente, elas são incapazes de oferecer respostas justas e proporcionais em contextos complexos. Ao articular regras e princípios, sua teoria constrói um direito que mantém vinculação normativa e sensibilidade moral, evitando tanto o formalismo cego quanto o decisionismo arbitrário.


5) Será que a necessidade de uma argumentação racional que incorpore tanto regras quanto princípios fortalece a confiança dos cidadãos no sistema jurídico?


Acredito que o modelo híbrido de regras e princípios proporciona um equilíbrio importante no sistema jurídico, minimizando as desvantagens que cada modelo, se aplicado isoladamente, inevitavelmente apresentaria. No entanto, quando se trata da confiança dos cidadãos no sistema jurídico, entendo que ela está mais vinculada à percepção de segurança normativa do que à realização de justiça material. Nesse sentido, a estrutura das regras jurídicas, por sua previsibilidade e objetividade, contribui mais diretamente para a estabilidade necessária à confiança pública.

Mesmo no modelo híbrido proposto por Robert Alexy, os princípios — por sua natureza aberta e ponderável — exigem algum tipo de moderação estrutural pelas regras, sob pena de se tornarem instrumentos excessivos de poder decisório. Ainda que a decisão baseada em princípios deva ser racionalmente justificada, ela permanece condicionada à capacidade interpretativa e valorativa do julgador, o que a torna vulnerável a influências subjetivas, incluindo crenças pessoais que podem distorcer o juízo sobre a prevalência entre princípios em colisão. Isso pode gerar decisões dissonantes em relação às expectativas normativas da maioria, minando a previsibilidade e, portanto, a confiança no direito.

Além disso, poder-se-ia sustentar que, em tese, os princípios não deveriam entrar em conflito, já que sua função é justamente a de orientar a realização do bem jurídico. A colisão entre princípios deveria ser uma exceção — como em contextos de estado de exceção —, e não um evento recorrente no sistema jurídico. Se o ordenamento já prevê regras e procedimentos claros para tratar essas situações-limite, então as chamadas “exceções” deixam de ser verdadeiramente excepcionais, e a necessidade de ponderação constante pode ser vista como um sinal de deficiência estrutural na previsão normativa.

Em outras palavras, o modelo híbrido reduz o grau de arbitrariedade judicial, mas não o elimina. Ele fornece critérios para fundamentar decisões ponderadas, como a lei da colisão, os juízos empírico, normativo e de peso, além da formulação de regras de precedência condicionada; porém, a ponderação ainda exige valorações que não podem ser plenamente objetivadas.

Nesse contexto, a confiança dos cidadãos no sistema jurídico está menos ligada ao conteúdo moral das decisões e mais à previsibilidade das deliberações judiciais, a qual depende, sobretudo, da objetividade e estabilidade das regras. Confiar na racionalidade do julgador é importante, mas confiar que todos os julgadores, independentemente de suas convicções pessoais, chegarão a decisões semelhantes com base em critérios normativos compartilhados é o que efetivamente sustenta a legitimidade do direito.

Ainda assim, do ponto de vista de Alexy, a incorporação da argumentação racional estruturada em torno de regras e princípios é a melhor forma de compatibilizar os dois pilares fundamentais do Estado de Direito: a segurança jurídica (regras) e a justiça material (princípios). Por mais que o modelo híbrido não elimine por completo o espaço da valoração subjetiva, ele submete esse espaço a critérios discursivamente controláveis, tornando a decisão não apenas vinculante, mas justificável perante a razão pública — e é justamente essa capacidade de justificação que, para Alexy, fundamenta a confiança no direito em uma democracia.

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