Fichamento Filosófico | Lao-Tzu – Tao Te King
Ubirajara T Schier – 2025/2
Referência da Obra:
Lao-Tzu. Tao Te King (tradução de Margit Martinicic; texto e comentário de Richard Wilhelm)
1. Unidade e Monismo Ontológico
O pensamento de Lao-Tzu parte de uma concepção de unidade originária que precede todas as distinções ontológicas. Trata-se de um monismo radical, em que os opostos — luz/trevas, masculino/feminino, positivo/negativo — estão ainda indiferenciados no “não-princípio”, anterior até mesmo ao “princípio dos princípios”. Essa unidade não é apenas ponto de partida, mas também o ponto de retorno de toda realidade. A partir desse Uno, surge o dois (a dualidade), que, em sua tensão dinâmica, origina o mundo visível como terceira manifestação.
🧩 Comentários de RW:
Richard Wilhelm reforça que essa visão unitária de Lao-Tzu está profundamente enraizada na cosmologia do Livro das Mutações (I Ching), onde o “Um” gera o “Dois” (Yin e Yang), e o “Três” surge como mediação que gera todas as coisas. A tríade — unidade ampliada — representa o início da multiplicidade. Wilhelm descreve essa gênese como uma expansão orgânica, não mecânica, e profundamente conectada com uma lei imanente de transformação. Não se trata de uma lógica dialética ocidental, mas de um dinamismo polar, regido por um princípio transcendente (Tao) que permanece oculto na base de toda manifestação.
2. O Tao como Espontaneidade Cósmica
O Tao representa a espontaneidade absoluta do mundo, análoga à espontaneidade da vida no homem. Ele não é uma entidade entre outras, mas o fundamento qualitativo e não-coisificado de tudo que existe. Rejeita-se qualquer interpretação substancialista: o Tao é o “não-ser”, o “vazio”, o que implica que não pode ser percebido sensorialmente nem categorizado segundo os moldes ocidentais do ser. O não-ser, para Lao-Tzu, não é o oposto do ser, mas seu complementar necessário, à semelhança da relação entre positivo e negativo na matemática.
🧩 Comentários de RW:
Wilhelm insiste que o Tao não é coisa alguma entre outras coisas; ele transcende o ser e o não-ser, e ainda assim fundamenta tudo que existe. O Tao é vazio, sim, mas um vazio fecundo, gerador — como o espaço do vaso ou o buraco da roda que permite a função. Wilhelm também observa que o Tao atua justamente por não atuar: é a força motriz do mundo fenomenal por meio da não-imposição. Ao evitar qualquer definição conceitual, Lao-Tzu recorre a metáforas (vale, água, mãe, vazio), pois qualquer nome já seria uma limitação. Para Wilhelm, isso revela a profundidade mística e o caráter inefável do Tao — não acessível ao estudo, mas apenas à vivência intuitiva.
3. O Te como Vida
Se o Tao é a fonte, o Te é sua manifestação no mundo — entendido aqui como vida, aquilo que é recebido pelos seres ao nascer. Essa vida, no entanto, não é a existência empírica individualizada, mas a atuação espontânea do homem em unidade com o centro do mundo. O “eu” autêntico, para Lao-Tzu, não é o eu psicológico, condicionado e ilusório, mas o “eu” superindividual, acessível apenas por uma abstração radical do particular e do acidental. A realização plena da vida implica essa unificação com o fundo metafísico do ser.
🧩 Comentários de RW:
Wilhelm apresenta o Te como a energia vital silenciosa que atua sem dominar, que cultiva, protege e completa. Diferente da virtude moralista, o Te é potência imanente, manifestação concreta do Tao que não se vangloria e não se impõe. Aquele que vive em Te renuncia ao ego, fundindo-se com o fluxo natural. Wilhelm associa essa vida profunda a uma sabedoria espiritual que dispensa reconhecimento e atua a partir da interioridade silenciosa. O sábio, nessa condição, “não deixa rastros” — sua ação se dá pelo não-forçar, e seu “eu” não é mais uma máscara social, mas a pura presença do Tao na vida.
4. A Ética da Não-Ação (Wu-Wei)
A não-ação (wu-wei) não é inércia ou passividade, mas a receptividade radical ao movimento espontâneo do Tao. Trata-se de uma forma de agir que não interfere, mas flui com o curso natural das coisas. A ação verdadeiramente eficaz é aquela que não manifesta superioridade, que se apresenta como “fraqueza” ou “pequenez” — pois a firmeza e a rigidez são princípios de morte. A verdadeira grandeza reside na capacidade de retorno ao interior, onde cessam os antagonismos por meio de uma compensação dialética natural.
🧩 Comentários de RW:
Wilhelm interpreta o wu-wei como uma forma de sabedoria em que o agir e o não-agir se fundem. O Tao atua sem agir, e nada deixa por fazer, justamente por evitar o esforço forçado. O sábio, segundo Wilhelm, deixa que os fenômenos sigam seu curso natural, intervindo apenas no momento certo — antes que os eventos se tornem visíveis. Essa ética do não-domínio resulta em uma ação efetiva por ser não-impositiva, como a água que molda sem resistir. Wilhelm vê aí uma crítica radical à moral coercitiva e às ações baseadas em ego ou vaidade.
5. Superação da Dualidade Ética
Lao-Tzu recusa qualquer fixação unilateral do bem; para ele, o bem é relativo e mutável, devendo adaptar-se a cada situação concreta. Toda unilateralidade está sujeita à lei da inferioridade. Em sua ética, há uma dimensão trágica: cada ação desequilibrada provoca uma reação compensadora por parte da coesão universal. A sabedoria não está em tomar partido de um polo contra outro, mas em transcender a polarização, reconhecendo sua origem comum no Tao.
🧩 Comentários de RW:
Wilhelm enfatiza que, para Lao-Tzu, o bem não é absoluto. Ele surge apenas em oposição ao mal — e assim ambos se condicionam mutuamente. Ao afirmar o bem, já se estabelece o mal, como lado complementar da polaridade. Wilhelm afirma que Lao-Tzu se posiciona “além do bem e do mal”, não por relativismo, mas porque sua filosofia reconhece que todas as distinções morais são derivadas da perda do Tao. A moral surge quando o comportamento natural se corrompe. Por isso, o verdadeiro sábio não age por princípios morais fixos, mas pela fluidez interior da sabedoria espontânea.
6. Coração Vazio e Conhecimento Intuitivo
A verdadeira compreensão das “grandes verdades” exige um estado de coração vazio, condição de abertura radical à intuição do Tao. A intuição ocupa, aqui, o lugar que, em outros sistemas filosóficos, caberia ao conceito ou à dedução. O Tao não pode ser rigidamente definido: o termo funciona apenas como sinal algébrico de algo que excede toda designação linguística. A filosofia de Lao-Tzu, portanto, não se presta à sistematização, mas exige uma atitude contemplativa e receptiva.
🧩 Comentários de RW:
Wilhelm apresenta essa dimensão intuitiva como vivência direta, não passível de transmissão conceitual. A compreensão do Tao não é alcançada por estudo, mas por experiência silenciosa. Quem o conhece não fala; quem fala, não o conhece. A metáfora da cor é usada por Wilhelm: assim como não se pode transmitir a sensação do amarelo a quem nunca o viu, também o Tao só pode ser compreendido por imersão contemplativa. O “coração vazio” é condição para essa experiência, pois é nesse estado que o ego se cala e a interioridade se alinha ao fluxo do Tao.
7. Distinção entre Filosofia e Religião
O pensamento de Lao-Tzu, embora frequentemente associado ao taoismo religioso, não constitui uma religião organizada, tampouco possui força institucionalizante. Trata-se de uma filosofia cosmológica com implicações éticas profundas, mas que não funda ritos, dogmas ou práticas eclesiásticas. A apropriação posterior de seu nome por diversas correntes (animistas, alquímicas, políticas) não representa seu pensamento original. Do mesmo modo, a clássica divisão entre confucionismo, taoismo e budismo é insuficiente para descrever com precisão o campo religioso chinês.
🧩 Comentários de RW:
Wilhelm é enfático ao distinguir o pensamento de Lao-Tzu de qualquer religiosidade institucionalizada. O Tao não é um deus pessoal, nem um princípio dotado de consciência moral. Ele está além de qualquer divindade tradicional, inclusive do antigo “deus do céu” chinês. Para Wilhelm, o pensamento de Lao-Tzu não exige fé, ritos ou adoração, mas uma disposição de silêncio, interiorização e observação da ordem do mundo. Sua proposta é vivencial e filosófica, não devocional nem teológica.
8. Observações Terminológicas
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Tao (道): “caminho”, “direção”, “razão”, “princípio”. Também pode ser interpretado como “logos” ou “verbo”. No entanto, sua polissemia exige cuidado extremo: é, antes, um símbolo linguístico para o indizível.
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Te (德): “vida”, “virtude”, “força interior”. No contexto do Tao Te King, é aquilo que cada ser recebe ao nascer — a expressão do Tao na existência concreta.
🧩 Comentários de RW:
Wilhelm observa que os nomes Tao e Te são provisórios, estratégicos e metafóricos. O Tao, sendo anterior ao ser e ao nome, não pode ser rigidamente definido — razão pela qual Lao-Tzu utiliza expressões como “parece”, “é como se”, “pode ser chamado”. Wilhelm afirma que o Tao é uma realidade supraconceitual, anterior a toda experiência sensível e a toda linguagem. O Te, por sua vez, é a força vital derivada do Tao, aquilo que se manifesta silenciosamente nos seres sem depender de mérito ou intenção.
Conclusão
O pensamento de Lao-Tzu, tal como exposto nos trechos analisados, propõe uma ontologia unitária, uma ética da espontaneidade e uma metafísica do indizível que exige do indivíduo uma receptividade radical e um esvaziamento do ego empírico. A distinção entre o “eu” condicionado e o “eu” essencial marca um caminho de desapego e interiorização, voltado para a sintonia com o ritmo cósmico do Tao. Em sua radicalidade, trata-se de uma filosofia do viver silencioso, que se recusa à rigidez conceitual e à imposição moralista, e que valoriza a harmonia interna, a impermanência e o retorno.
🧩 Comentários de RW:
Richard Wilhelm sintetiza o Taoismo como uma via de retorno à unidade originária, superando os opostos, dissolvendo o ego e libertando o ser humano da ilusão da separação. A filosofia de Lao-Tzu, segundo ele, não busca explicações, mas sintonia com o fluxo vital. Viver segundo o Tao é nutrir-se da Mãe, permanecer fluido, suave, sem imposições, sem se fixar em categorias morais, sociais ou conceituais. Trata-se de uma ontologia do vazio, uma ética do recuo e uma espiritualidade da simplicidade.
Fichamento Filosófico Temático – Tao Te Ching dos Capítulos 1 a 81.
1. O Tao: o Indizível, Inominável, Eterno
Capítulos: 1, 14, 21, 25, 32, 34, 37, 40
O Tao é a realidade última, anterior ao ser e ao nome. É o caminho absoluto, invisível, sem forma, inominável, mas origem de todas as coisas. Ele é descrito como o “não-ser”, o vazio criador, a mãe dos dez mil seres. Embora impalpável, o Tao é a ordem sutil que rege o universo. Seu movimento é o retorno (cap. 40), e sua atuação é o silêncio.
⚠️ Filosoficamente, o Tao rompe com categorias ocidentais: ele não é substância, nem ente, mas um fluxo cósmico que opera por meio da espontaneidade (ziran) e da ausência de imposição.
🧩 Aplicação prática:
Aceitar que nem tudo precisa ser compreendido, explicado ou controlado. Praticar o silêncio, o não-julgamento, e estar em paz com o mistério da existência. Reconhecer que a vida é maior que nossas ideias sobre ela.
🧩 Comentários de RW:
Wilhelm destaca que o Tao está além do ser e do não-ser. Ele não pode ser visto, ouvido, tocado ou compreendido pela lógica. No entanto, é dele que tudo provém. Qualquer tentativa de nomeá-lo ou defini-lo reduz sua potência. O Tao é comparável à água, ao vale, ao vazio do vaso, justamente por ser útil sem se impor. Wilhelm insiste que o Tao é o princípio que dá origem ao céu e à terra, e sua ação é tão sutil que atua sem atuar, movendo o mundo por sua força invisível e silenciosa.
2. Wu Wei – A Não-Ação como Caminho da Harmonia
Capítulos: 2, 3, 10, 22, 23, 30, 37, 43, 48, 63, 64
Wu Wei (não-ação) não é inércia, mas uma forma de agir sem intenção, sem forçar. O sábio realiza por meio da ação despretensiosa, age sem se apegar, governa sem dominar. A não-ação gera efeitos mais profundos que a ação planejada. A eficiência reside no não-forçar.
⚠️ Isso se contrapõe à ética da eficácia ocidental: aqui, a virtude não se mede pelos resultados, mas pela consonância com o fluxo natural.
🧩 Aplicação prática:
Evitar o esforço desnecessário, o controle obsessivo e a ansiedade por resultados. Tomar decisões simples, fluir com os acontecimentos, agir quando for o momento — e recuar quando não for.
🧩 Comentários de RW:
Segundo Wilhelm, a essência do Wu Wei está em não resistir ao fluxo natural das coisas. A ação eficaz não decorre de força ou planejamento, mas da capacidade de intervir antes que as coisas se tornem complexas. O sábio observa e age no momento certo, sem deixar rastros, sem impor controle. Isso é possível porque ele se alinha à ordem do Tao, permitindo que os acontecimentos se desenvolvam organicamente. O Wu Wei revela-se, assim, como a mais alta forma de sabedoria prática.
3. O Te (Virtude): Manifestação do Tao
Capítulos: 10, 38, 51, 59, 65
O Te é a virtude que emana do Tao. Não é moralidade, mas potência silenciosa que cultiva, gera, nutre e conclui. A verdadeira virtude é discreta, misteriosa, não se afirma. A virtude inferior é ativa, vangloriosa, e se degenera em justiça e polidez — formas deterioradas do Caminho.
✅ A verdadeira força está na virtude silenciosa, que “atua sem atuar”.
🧩 Aplicação prática:
Fazer o bem sem esperar aplauso. Cuidar de pessoas e tarefas com discrição. Confiar que a qualidade da ação está na intenção e na harmonia com o todo, não na visibilidade.
🧩 Comentários de RW:
Wilhelm descreve o Te como a força da vida que não deseja nada para si mesma. Atua sem se afirmar. É aquilo que nutre e guia silenciosamente, como a mãe que cuida sem se exibir. A manifestação do Te não se dá por regras ou méritos, mas pela presença viva e íntima com o Tao. Wilhelm ressalta que o Te se esconde na humildade, na modéstia e na ausência de egoísmo — daí sua força inabalável e perene.
4. O Vazio como Fonte de Utilidade
Capítulos: 1, 4, 11, 16, 28
O vazio — o não-ser — é o que torna tudo funcional: o buraco do vaso, o vão da porta, o centro da roda. A ausência é condição da presença. O Tao é vazio inesgotável. O não-ser é operante, e o sábio o compreende como fundamento.
🧩 Aplicação prática:
Criar espaço no cotidiano — mental, físico, emocional. Não preencher todos os horários. Cultivar pausas, escuta e silêncio. Valorizar o intervalo entre as ações, como parte essencial do viver.
🧩 Comentários de RW:
Wilhelm insiste que o não-ser é a condição de possibilidade do ser. O vazio é o que torna os objetos úteis — sem o vão, a porta não se abre, o vaso não serve, a roda não gira. Essa valorização do vazio, segundo ele, é expressão direta do Tao. Trata-se de um vazio ativo, originador, generoso. É também a imagem mais pura da liberdade interior: quanto mais nos esvaziamos de desejos, mais nos tornamos receptivos à potência do Tao.
5. A Interdependência dos Opostos
Capítulos: 2, 5, 36, 42, 76, 78
Lao-Tzu insiste que os contrários se geram mutuamente: ser e não-ser, difícil e fácil, forte e fraco. A sabedoria não está em escolher um polo, mas em transcender a oposição. O fraco vence o forte; a suavidade, a dureza. Os opostos se alternam e se complementam no Tao.
🌓 Trata-se de uma dialética cósmica não conflitual, diferente da dialética hegeliana ou platônica.
🧩 Aplicação prática:
Evitar julgamentos binários rígidos (certo/errado, bom/mau). Reconhecer que o desconforto, o erro ou o fracasso fazem parte do processo. Equilibrar forças — alternar esforço e descanso, fala e escuta, presença e recolhimento.
🧩 Comentários de RW:
Wilhelm apresenta essa visão dos opostos como um fundamento metafísico do mundo fenomenal. Não há antagonismo entre ser e não-ser, entre bem e mal, entre forte e fraco: há complementaridade. Ele traça inclusive um paralelo com a tríade hegeliana (tese-antítese-síntese), mas ressalta que, em Lao-Tzu, trata-se de uma dinâmica orgânica, não racionalista. O Tao não resolve os opostos, absorve-os. A sabedoria está em acolher a alternância natural, sem querer fixar um lado como absoluto.
6. Humildade, Simplicidade e Esvaziamento do Ego
Capítulos: 7, 8, 9, 13, 22, 24, 33, 66, 67
A verdadeira grandeza está em se colocar abaixo. A humildade é força ativa. Quem se curva se completa; quem se coloca atrás lidera sem esforço. O Tao favorece o simples, o desprezado, o modesto. O ego — com suas ambições — afasta o homem do Caminho.
🔁 A ética taoista é uma antiética do poder: vencer é ceder; liderar é não comandar.
🧩 Aplicação prática:
Desistir de provar valor constantemente. Agir com sobriedade, abrir mão da necessidade de ter sempre razão. Escutar mais do que falar. Preferir a discrição à exibição. Praticar a humildade como força interior.
🧩 Comentários de RW:
Para Wilhelm, a humildade taoista não é submissão servil, mas força silenciosa e interior. A vida, diz ele, “nada faz, e tudo se realiza” — por isso, o sábio que está em sintonia com o Tao não busca reconhecimento, nem se impõe. Ele se mantém discreto, simples e flexível, e é justamente por isso que permanece imperceptível e inquebrantável. Wilhelm associa essa humildade a uma atitude de recolhimento natural, em que o ego é superado e a pessoa atua de acordo com o todo, sem esforço.
7. Autoconhecimento e Retorno à Origem
Capítulos: 10, 14, 16, 33, 52, 64
Conhecer a si mesmo é o mais alto grau de sabedoria. Retornar ao princípio (à “mãe”) é conservar a vida. O retorno é um dos movimentos centrais do Tao — não há avanço sem regressão. A vida em harmonia exige o esvaziamento dos desejos e a interiorização.
🧩 Aplicação prática:
Reservar momentos para introspecção. Observar os próprios impulsos, reações, desejos. Retornar às motivações simples e essenciais. Abandonar o que é supérfluo e reencontrar o “eixo” interior.
🧩 Comentários de RW:
Wilhelm interpreta o retorno como o movimento essencial da vida no Tao. Retornar à origem é voltar ao estado de unidade primordial, à “mãe de todos os seres”. Esse processo exige o abandono do ego e das ilusões do mundo fenomênico, para que se alcance uma contemplação pura, silenciosa e livre. Ele compara essa vivência ao estado de uma criança — relaxada, fluida, não endurecida. Só quem interioriza-se profundamente, diz Wilhelm, pode conhecer o Tao sem sair pela porta, sem olhar pela janela.
8. A Sabedoria do Pouco, do Natural e do Silêncio
Capítulos: 12, 15, 20, 23, 27, 41
A verdade reside no natural, no espontâneo, no que é pouco, no que não brilha. Os sábios são como gelo que derrete, madeira bruta, vales. Falar pouco, agir pouco, não acumular — eis o caminho. A linguagem excessiva obscurece o real.
🧩 Aplicação prática:
Falar menos e ouvir mais. Reduzir a sobrecarga sensorial. Simplificar a vida. Fazer escolhas naturais, espontâneas, sem artifício. Ser discreto, observar com calma, agir com leveza.
🧩 Comentários de RW:
Wilhelm salienta que quanto mais se fala sobre o Tao, mais ele se distancia. A sabedoria verdadeira manifesta-se no pouco, no discreto, no inominável. O sábio não compete nem aparece — como o vale, ele permanece embaixo e, por isso, é o mais poderoso. O silêncio, para Wilhelm, não é ausência, mas uma abertura para o mistério. Falar menos, agir menos, pensar menos — tudo isso abre espaço para que o Tao se manifeste sem obstrução.
9. O Governo Segundo o Tao
Capítulos: 3, 17, 18, 57, 58, 60, 65
Governar é agir por não-intervenção. O excesso de leis gera confusão; o excesso de saberes corrompe o povo. O governante ideal não aparece, não se impõe. Quando governa com simplicidade, o povo se transforma por si. O Tao ensina a reinar por confiança e contenção, não por coação.
🧩 Aplicação prática:
Liderar com escuta e exemplo, não com imposição. Seja em cargos, famílias ou grupos, cultivar presença estável, orientar sem microgerenciar. Reduzir regras e confiar na capacidade de autogestão das pessoas.
🧩 Comentários de RW:
Para Wilhelm, o ideal político de Lao-Tzu é o de não-intromissão. Toda intervenção excessiva — leis, decretos, normas — gera desordem, corrupção e resistência. O bom governante, como o Tao, atua sem se impor, permitindo que a ordem emerja da natureza das coisas. Wilhelm explica que, quanto mais o Estado se sobrepõe à vida cotidiana, mais ladrões e problemas surgem. A política do Tao é, portanto, uma ética da contenção e da confiança, onde o povo age por si ao invés de ser controlado.
10. A Guerra e o Uso da Força
Capítulos: 30, 31, 68, 69
A força é vista como último recurso, sempre lamentável. A guerra, mesmo vitoriosa, deve ser tratada com pesar. O verdadeiro guerreiro vence sem combater. O sábio evita o confronto e recua ao invés de avançar. A vitória por disputa é sinal de afastamento do Tao.
🧩 Aplicação prática:
Evitar confrontos desnecessários. Ceder não é fraqueza. Praticar o recuo estratégico. Buscar soluções não-violentas e respeitosas. Valorizar o caminho da contenção em vez da reatividade.
🧩 Comentários de RW:
Wilhelm mostra que, para Lao-Tzu, o uso da força é um sintoma de distanciamento do Tao. Toda guerra, mesmo se “vencida”, é uma forma de fracasso. O sábio cede, contorna, recua, pois sabe que toda rigidez conduz à morte. Wilhelm associa essa visão a uma força interior que não consome energia em disputas, mas conserva-se flexível. A vitória autêntica é aquela em que não há combate, não há desgaste, porque o conflito foi dissolvido antes de se tornar necessário.
11. Ética da Moderação, Contentamento e Desapego
Capítulos: 9, 44, 46, 64, 77
O excesso leva à ruína. Quem sabe se conter não se esgota. A vida boa não está na fama nem na riqueza, mas no equilíbrio interior. Desejos excessivos geram desgraça. A virtude do Tao consiste em “dar ao que não tem” e “diminuir do que tem em excesso”.
🧩 Aplicação prática:
Dizer “basta”. Reconhecer o suficiente. Desapegar de metas inúteis, de desejos intermináveis. Praticar gratidão pelo que se tem, e frear o consumo material ou emocional desnecessário.
🧩 Comentários de RW:
Wilhelm destaca que o Tao não exige sacrifícios nem heroísmo, apenas moderação, naturalidade e gratidão. O verdadeiro sábio sabe dizer “basta” e reconhece o suficiente. Ele evita acumular, desejar, competir. A felicidade vem da harmonia com o ciclo do Tao, e não da conquista exterior. Wilhelm descreve isso como uma ética da “vida secreta”, em que tudo se organiza sem esforço, porque não há ambição que oculte a simplicidade essencial do viver.
12. Crítica à Moralidade Formal e à Sabedoria Artificial
Capítulos: 18, 19, 38, 45, 70
Quando o Tao se perde, surgem a bondade, a justiça e a etiqueta — sintomas de decadência. A verdadeira sabedoria parece ignorância. O sábio não compete, não brilha, não busca ser admirado. O conhecimento engenhoso é obstáculo ao Caminho.
🧩 Aplicação prática:
Desconfiar do moralismo e da aparência. Agir com sinceridade, não por protocolos. Evitar parecer virtuoso: ser virtuoso basta. Buscar uma sabedoria que nasce da experiência, não apenas do estudo.
🧩 Comentários de RW:
Wilhelm analisa a crítica de Lao-Tzu à moral como uma rejeição tanto ao formalismo ético quanto à sua base artificial. Ele observa que quanto mais leis se criam, mais se infringe; quanto mais se exalta a virtude, mais se mascara a corrupção. A moral, segundo RW, nasce da perda da naturalidade — quando o bem precisa ser forçado, é porque o Tao já foi abandonado. Wilhelm chega a comparar a crítica de Lao-Tzu com a de Nietzsche, ressaltando que, para ambos, a moral não é intrinsecamente nobre, mas sim um sintoma de declínio cultural. A sabedoria genuína, então, não é aquela que se mostra, mas a que silencia e age com discrição.
13. A Vida, a Morte e a Eternidade
Capítulos: 7, 16, 50, 76
A vida em consonância com o Tao é tranquila, e a morte não é temida. A rigidez leva à morte; a flexibilidade, à vida. O nascimento e a morte são ciclos do retorno. O homem que cultiva o Tao transcende a dicotomia vida-morte.
🧩 Aplicação prática:
Aceitar os ciclos da existência. Reduzir o medo da morte. Valorizar a vida simples e fluida. Cultivar leveza, adaptabilidade, resiliência. Encarar perdas e mudanças como transformações naturais.
🧩 Comentários de RW:
Wilhelm interpreta a visão de Lao-Tzu sobre vida e morte como inteiramente integrada ao fluxo cósmico. O sábio não teme a morte, porque compreende que tudo flui, que tudo retorna à origem. A rigidez é sinal de morte — seja nos corpos, nas ideias ou nas instituições. A verdadeira vida é suave, adaptável, impermanente. Wilhelm afirma que a morte só tem poder sobre aqueles que se cristalizaram em ego, desejo ou resistência. Para o homem que vive segundo o Tao, viver e morrer são apenas portas que se abrem e se fecham, sem drama, sem medo.
Conclusão Geral
O Tao Te Ching apresenta uma filosofia radicalmente diferente da tradição ocidental:
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O fundamento da realidade é o indizível e impessoal (Tao).
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A sabedoria reside na não-afirmação do ego, na humildade, na moderação, e na ação sem imposição.
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O universo opera por complementariedade e reversibilidade, não por domínio ou linearidade.
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A virtude é uma potência silenciosa que atua no invisível.
É uma ontologia do vazio, uma ética do não-domínio e uma política do recuo.
🧩 Comentários de RW:
Richard Wilhelm encerra sua leitura enfatizando que Lao-Tzu não oferece um sistema filosófico, mas um caminho de transformação da consciência. Seu Tao é um arquifenômeno, inacessível à lógica e ao discurso, mas plenamente acessível à vivência silenciosa e à interioridade contemplativa. A filosofia do Tao é, para Wilhelm, um chamado à quietude, à naturalidade e à renúncia de tudo o que endurece ou divide. Ela dissolve o ego, relativiza o saber e reconcilia o homem com o todo, permitindo-lhe viver em fluxo com a mãe eterna — fonte e fim de todas as coisas.
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