Explicando Finnis: A Teoria do Direito Natural em John Finnis: Uma Releitura Contemporânea do Jusnaturalismo

Mini-artigo produzido na disciplina de Ética e Direito, Unisinos 2025-1.

A Teoria do Direito Natural em John Finnis: Uma Releitura Contemporânea do Jusnaturalismo

1. Introdução

A tradição do Direito natural tem atravessado diversas metamorfoses ao longo da história da filosofia jurídica, desde sua legitimação cosmológica ou teológica na Antiguidade até as versões racionalistas da modernidade. No século XX, John Finnis resgata e reconstrói essa tradição à luz de uma perspectiva filosófica renovada, tornando-se um dos principais expoentes do chamado neojusnaturalismo. Inspirado por Tomás de Aquino e pelas ferramentas da filosofia analítica, Finnis propõe uma teoria na qual a racionalidade prática ocupa o centro da reflexão sobre a justiça, o Direito e os valores fundamentais da convivência humana. Sua abordagem rejeita o subjetivismo ético e o positivismo jurídico estrito, buscando fundamentar a legitimidade do Direito em bens humanos básicos que são objetivamente identificáveis e universalmente reconhecíveis. A presente investigação tem por finalidade expor os principais pilares dessa proposta teórica, ressaltando sua relevância para o debate jurídico contemporâneo.

2. Fundamentação Teórica: Jusnaturalismo e Razoabilidade em Finnis

2.1 A Racionalidade como Fundamento

Para John Finnis, a qualificação de “natural” no Direito não remete a qualquer ordem metafísica, mas sim à razão prática — isto é, à capacidade humana de discernir, escolher e agir com base em princípios inteligíveis do bem. A razão prática constitui, assim, o eixo metodológico por meio do qual se identifica aquilo que é razoável fazer, distinguindo-se escolhas virtuosas daquelas arbitrárias ou desordenadas. Nesse sentido, a filosofia moral é concebida como um exercício de discernimento sobre os fins que merecem ser perseguidos à luz de uma vida plenamente humana. Finnis, ao retomar a tradição aristotélico-tomista, atualiza-a com um vocabulário contemporâneo, afastandose de pressupostos confessionais, e apresentando a razoabilidade como critério universal para a fundamentação da normatividade jurídica.

2.2 Crítica ao Positivismo Jurídico

Embora fortemente influenciado pela jurisprudência analítica, Finnis propõe uma crítica interna ao positivismo jurídico, especialmente à separação rígida entre Direito e moral sustentada por autores como Kelsen e Hart. Para Finnis, essa cisão obscurece a finalidade do Direito enquanto prática ordenadora da convivência humana. Ele argumenta que um sistema jurídico que não se submete ao crivo da razoabilidade prática corre o risco de instituir normas injustas, desconectadas dos bens essenciais ao florescimento humano. Nesse contexto, a validade de uma norma não pode ser reduzida à sua procedência formal ou à sua eficácia, mas deve ser também avaliada à luz de critérios substantivos que envolvem justiça, equidade e racionalidade moral.

2.3 Complementariedade entre Direito Positivo e Natural

A proposta de Finnis não pretende abolir o Direito positivo, mas integrá-lo ao horizonte do Direito natural. Nesse sentido, não há incompatibilidade entre as duas ordens, mas sim uma relação de complementariedade: cabe ao Direito natural fornecer os parâmetros normativos pelos quais se avalia a moralidade das normas postas. A ideia de que leis injustas carecem de verdadeira autoridade jurídica é resgatada e fundamentada por meio da noção de razoabilidade prática. A teoria jurídica, para Finnis, deve ser não apenas descritiva, mas também avaliativa, reconhecendo que o Direito só realiza plenamente sua função quando promove os bens humanos fundamentais em conformidade com o bem comum.

3. Os Bens Humanos Básicos: Fundamentos do Direito Natural

3.1 A Vida

A vida é o primeiro e mais evidente dos bens humanos básicos identificados por Finnis. Trata-se de um valor que se manifesta tanto na autopreservação quanto no cuidado com a saúde, com a integridade física e com as condições materiais de sobrevivência. A promoção desse bem é responsabilidade do indivíduo, da coletividade e do Estado. A vida, como valor fundamental, não pode ser instrumentalizada nem subordinada a fins extrínsecos, pois possui dignidade intrínseca. O reconhecimento da vida como bem básico fundamenta o repúdio às leis que atentem contra sua proteção — como aquelas que toleram práticas discriminatórias, eutanásia arbitrária ou violência institucionalizada.

3.2 O Conhecimento

Outro bem essencial, segundo Finnis, é o conhecimento, entendido não como simples acúmulo de informações, mas como busca racional pela verdade. Trata-se de um valor desejável por si mesmo, e não apenas como meio para outros fins. A aquisição do conhecimento amplia a capacidade humana de julgar, escolher e agir com sabedoria. A distinção entre conhecimento e crença vulgar é fundamental: apenas o primeiro possui o potencial de orientar o agir prático de forma justa e eficaz. Assim, o acesso à educação e à formação crítica torna-se um dever ético-jurídico da sociedade.

3.3 O Jogo

Finnis reconhece no jogo uma atividade fundamental para o desenvolvimento humano. O jogo, aqui, não se limita ao entretenimento, mas inclui toda forma de ação lúdica, criativa e gratuita, realizada por sua própria excelência. Essa atividade estimula a liberdade, a imaginação, o aprendizado e a cooperação. Além disso, o jogo reflete dinâmicas sociais mais amplas, como regras, competição e justiça. No plano jurídico, sua valorização contribui para a humanização do convívio social e para a legitimação das práticas institucionais, inclusive aquelas de caráter processual.

3.4 A Experiência Estética

A contemplação do belo, seja na natureza, nas artes ou na expressão simbólica, é um bem que enriquece a existência humana, desperta emoções elevadas e aprimora a sensibilidade moral. A experiência estética, para Finnis, é valorizada por si mesma e possui capacidade de transformar interiormente o indivíduo. A sua inclusão entre os bens básicos revela a abrangência da teoria finissiana, que não se limita ao funcionalismo jurídico, mas contempla a complexidade da vida humana em sua totalidade.

3.5 A Sociabilidade e a Amizade

A convivência humana, orientada pela amizade e pela solidariedade, constitui um bem que transcende a mera coexistência pacífica. Para Finnis, a amizade é a forma mais elevada de sociabilidade, pois envolve o agir em benefício do outro como se fosse de si mesmo. A comunidade política ideal é aquela que promove tais vínculos, realizando o bem comum. A noção de “comunidade completa”, apresentada por Finnis, aponta para uma associação humana em que os diversos bens são integrados de maneira harmônica, respeitando-se a dignidade de cada pessoa.

4. Direito, Moral e Justiça

A teoria do Direito natural de Finnis se propõe a oferecer critérios objetivos e racionais para avaliar a legitimidade das normas jurídicas. Para tanto, ela recorre à ideia de que existem bens humanos básicos cuja promoção constitui a finalidade do Direito. Leis que contrariam esses bens, ainda que válidas formalmente, são moralmente injustas e, portanto, desprovidas de autoridade normativa legítima. Ao superar a dicotomia entre o ser e o dever-ser por meio da razoabilidade prática, Finnis oferece uma alternativa robusta à teoria positivista. Seu modelo exige que a legislação seja orientada por princípios de justiça substantiva e responsabilidade ética. 

5. Conclusão

A teoria do Direito natural de John Finnis configura uma resposta sistemática e racional às limitações do positivismo jurídico, propondo uma fundamentação normativa centrada na razoabilidade prática e nos bens humanos básicos. Sua proposta reconcilia a objetividade moral com as exigências de um discurso jurídico contemporâneo, evitando tanto o subjetivismo ético quanto os excessos da tradição metafísica.

Ao defender que normas jurídicas devem ser avaliadas não apenas por sua validade formal, mas também por sua conformidade com os princípios do bem comum e da dignidade humana, Finnis reafirma o papel crítico do Direito como promotor de justiça substancial. Seu modelo oferece, assim, critérios universais e acessíveis para a análise da legitimidade das leis, com especial relevância em contextos de crise normativa ou retrocesso institucional.

Na prática, a teoria de John Finnis oferece fundamentos normativos que auxiliam operadores do Direito, legisladores e juristas na identificação de normas injustas mesmo quando formalmente válidas. Ao estabelecer critérios objetivos baseados nos bens humanos básicos, sua proposta permite submeter o ordenamento jurídico a uma crítica ética racional, orientando a elaboração de leis e decisões judiciais que promovam efetivamente a dignidade humana, o bem comum e a justiça substancial. Isso se revela particularmente relevante em contextos onde a legalidade entra em tensão com a moralidade — como nas políticas públicas que afetam diretamente os direitos fundamentais —, oferecendo ferramentas conceituais para justificar a desobediência civil, a revisão legislativa ou a atuação contra majoritarismos opressivos.

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