Antropologia Filosófica : Questão 2

ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA

GRAU A

Ubirajara Theodoro Schier


Questão: Faça um comentário crítico sobre o pensamento de Ernst Cassirer: “Em lugar de definir o homem como animal racionale, deveríamos definí-lo como animal simbolicum“. Por que a racionalidade não pode definir o ser humano em sua totalidade? Qual é, segundo Cassirer, a relação entre racionalidade e dimensão simbólica? Como explica Cassirer a cultura humana em relação ao comportamento animal? Como interpreta Cassirer as experiências humanas do mito e da religião a partir da dimensão simbólica do ser humano? Faça, ao longo de sua exposição, citações textuais da obra de Cassirer: “Antropologia Filosófica”.


 

“Entretanto, nem mesmo o modo de focalizar o problema – o método da introspecção – é seguro contra as dúvidas céticas. A filosofia moderna começou com o princípio de que a prova do nosso ser é inconquistável e inexpugnável.” (CASSIRER, pg.16)

“A introspecção só nos revela o pequeno setor da vida humana acessível à nossa experiência individual. Nunca poderá cobrir todo o campo dos fenômenos naturais. Ainda que nos fosse possível coligir e combinar todos os dados, teríamos uma imagem muito pobre e fragmentada,- um simples torso – da natureza humana.” (CASSIRER, pg.16)

“A linguagem foi freqüentemente identificada com a razão, ou com a própria origem da razão. Mas é fácil ver que esta concepção não consegue abarcar todo o campo. É uma pars pro toto; oferece-nos uma parte pelo todo. Pois lado a lado com a linguagem conceitual há a linguagem emocional; lado a lado com a linguagem lógica ou científica há a linguagem da imaginação poética. Em primeiro lugar, a linguagem não expressa pensamentos nem idéias, mas sentimentos e afeições.” (CASSIRER, pg.51)

“Razão é um termo muito pouco adequado para abranger as formas da vida cultural do homem em toda sua riqueza e variedade. Mas todas estas formas são simbólicas. Portanto, em lugar de definir o homem como um animal racionale, deveríamos defini-lo como um animal symbolicum.” (CASSIRER, pg.51)

ComentárioTalvez o mais correto seria definir o homem não apenas como animal racionale, mas também como animal simbolicum. Certamente, se o homem fosse um animal puramente racional, poderíamos dizer que este só poderia agir racionalmente e, dessa forma, poderíamos supor um mundo perfeito. Mas sabe-se que muitas das ações humanas são, ao contrário, irracionais. Logo, a partir daí presume-se a certeza de que existe algo mais na definição do homem além da razão. As ações irracionais do homem, por sua vez não tem aplicação racional, portanto, não faz sentido valer-se da racionalidade para tentar explicá-las, certo? É por esse motivo que devemos considerar mais uma dimensão do homem, a dimensão simbólica. É por meio desta que, espera-se, encontrar explicações para àquilo que a razão não conseguiu explicar. Entretanto, não podemos descartar a dimensão racional do homem, pois se não fosse por ela, não teríamos a ciência, a tecnologia e o progresso proporcionado por ambas. Para uma definição integral do homem é preciso, portanto, considerar o mesmo em sua dimensão racional e também em sua dimensão simbólica.

“Do ponto de vista a que acabamos de chegar, podemos corrigir e ampliar a definição clássica do homem. A despeito de todos os esforços do irracionalismo moderno, a definição do homem como animal rationale não perdeu sua força. A racionalidade, com efeito, é uma característica inerente a todas as atividades humanas. A própria mitologia não é, pura e simplesmente, um conjunto vulgar de superstições ou de grosseiras ilusões. Não é puramente caótica, pois possui forma sistemática ou conceitual. 1 Mas, por outro lado, fora impossível caracterizar como racional a estrutura do mito.” (CASSIRER, pg.51)

Comentário: Não pode-se também negar que exista uma relação entre a racionalidade e o simbolismo. A linguagem por exemplo, foi frequentemente associada de forma equivocada como um produto exclusivo da razão, ignorando que ela é também, em sua natureza, simbólica. O mesmo pode, conforme Cassierer, se dizer à respeito do mito. O mito em si, pode-se dizer que nasce a partir da dimensão simbólica do homem, de sua inquietação em relação àquilo que não compreende. Para livrá-lo dessa inquietação, o homem então cria associações e encontra significados utilizando para isso, sua dimensão racional, para assim formar uma explicação racional, ainda que simbólica, à respeito dos fenômenos percebidos e não entendidos.

“Em suma, podemos dizer que o animal possui uma imaginação e uma inteligência práticas, ao passo que só o homem criou uma forma nova: uma imaginação e uma inteligência simbólicas.” (CASSIRER, pg.63)

“Se, por inteligência entendermos a adaptação ao meio ambiente ou a modificação adaptativa do meio, deveremos, por certo, atribuir aos animais uma inteligência relativamente bem desenvolvida. Cumpre reconhecer também que nem todas as’ ações animais são governadas pela presença de um estímulo imediato. O animal é capaz de toda a sorte de rodeios em suas reações. Pode aprender não só a usar instrumentos mas também a inventá-l os para seus propósitos.” (CASSIRER, pg.62-63)

“A característica notável do homem, a marca que o distingue, não é sua natureza metafísica ou física – mas seu trabalho. É este trabalho, o sistema das atividades humanas, que define e determina o círculo de “humanidade”. A linguagem, o mito, a religião, a arte, a ciência, a história são os constituintes, os vários setores desse círculo. Uma “filosofia do homem” seria, portanto, uma filosofia que nos desse a visão da estrutura fundamental de cada uma dessas atividades humanas, e que, ao mesmo tempo, nos permitisse compreendê-Ias como um todo orgânico.” (CASSIRER, pg.115-116)

ComentárioPara Cassirer, a diferença fundamental entre o homem e os animais encontra-se na condição do primeiro em dar significado simbólico para as coisas. O homem, além da inteligência prática que é comum aos animais, é dotado também de uma inteligência simbólica, capaz de criar e dar significado, de conhecer e produzir conhecimento. Os artefatos culturais, principalmente produzidos do convívio do homem em sociedade, são objetos da inteligência simbólica, tais como a linguagem (simbólica e não meramente prática), o mito, a religião, a arte, a ciência e a história são exemplos de objetos culturais que só o homem, diferente do restante dos animais, é capaz de criar.


REFERÊNCIAS

CASSIRER, Ernst. Antropologia Filosófica. [tradução de Vicente Félix de Queiroz]. São Paulo: Mestre Jou, 1977.

Be the first to comment on "Antropologia Filosófica : Questão 2"

Leave a comment