RESUMO
As encruzilhadas do labirinto IV. A ascensão da insignificância
Ubirajara T. Schier
Este trabalho tem como objetivo resumir e explicar as principais ideias do autor extraídas por meio da leitura da obra. Para isso, serão apresentadas as citações e as explicações sobre as mesmas.
“Enigmas que se multiplicam quando lembramos que este saber do homem (genitivo objetivo, saber sobre o homem) é também um saber do homem (genitivo subjetivo e possessivo); portanto, que o homem é simultaneamente objeto e sujeito deste saber. Isso nos leva imediatamente a uma primeira determinação, conhecida e clássica, do homem, porque ele, de todos os seres que conhecemos, é o único que visa a um saber em geral e um saber de si próprio em particular. Pode-se mesmo dizer que aqui o particular precede o geral. Porque a pergunta: “o que aconteceu com o saber em geral” não pode ser pensada sem nos perguntarmos previamente O que aconteceu com o saber do homem (genitivo, aqui, simultaneamente objetivo e subjetivo), já que é o homem que sabe ou não, e esta questão prévia é, por sua vez, apenas uma parte da pergunta: o que sabemos sobre o homem? E será que o que dele sabemos nos permite afirmar que ele pode saber alguma coisa em geral, e alguma coisa sobre ele mesmo em particular?” (CASTORIADIS, pg.121-122).
Comentário: Castoriadis apresenta como premissa o conceito de que o homem não poderia tirar conclusões à respeito de si mesmo, uma vez que ele é ao mesmo tempo observador e também o sujeito dos fenômenos que ele mesmo produz. Para o autor, por causa disso, não é possível se determinar qualquer saber particular sobre o homem.
“Poderíamos dizer, com efeito, que tal homem,tal sociedade, em sua singularidade — só houve um povo hebreu, ou uma sociedade romana, e não dois, e nunca haverá outros em qualquer outro lugar; e o que eles são, ou foram, não poderia ser fabricado com elementos tomados aqui e ali entre os nambiquara, os nova-iorquinos ou os ameríndios pré-colombianos — nos demonstram tão somente possibilidades do ser homem que, sem eles, seriam desconhecidas ou não teriam sido realizadas. Em certo sentido, é o que acontece.” (CASTORIADIS, pg.123)
Comentário: Castoriadis apresenta o argumento de que também assim as sociedades são singulares. Com isso o autor defende a ideia de que as possibilidades existenciais do homem só podem ser conhecidas por meio das sociedades ao qual pertencem.
“Está excluída a hipótese de que um dia venha a nascer um cavalo que nos obrigue a reconsiderar nossa ideia da essência do cavalo; ao passo que o aparecimento do que chamamos totalitarismo obrigou os ocidentais, em pleno século XX, no momento em que se celebrava a vitória das idéias de progresso, liberdade, etc., a reconsiderar penosamente o que acreditavam saber sobre as sociedades humanas, o curso da História e sua própria sociedade. Mas esta ideia é também problemática e decididamente insuficiente. Será que podemos afirmar verdadeiramente que esse leque de singularidades, de sociedades e indivíduos que se sucedem e se justapõem se limita a realizar os “possíveis do ser humano” que seriam predeterminados? Ousaríamos verdadeiramente afirmar que Sócrates, já que o mencionei, ou Tristão e Isolda, ou Auschwitz, ou A crítica da razão prática, ou o Gulag “realizam possibilidades do ser humano”, no sentido em que todo triângulo que defino concretamente realiza as possibilidades contidas na essência do triângulo? Podemos por um momento pensar que existe um catálogo ilimitado, um repertório interminável que mantém em reserva todos esses tipos de indivíduos e sociedades — ou então uma lei geral, determinando antecipadamente as possibilidades do ser humano, possibilidades que, aleatória ou sistematicamente, se manifestariam na História? Por mais estranho que possa parecer, duas tendências importantes do pensamento moderno sustentaram esta tese: o estruturalismo e Hegel. Não é difícil demonstrar o absurdo dessa ideia.” (CASTORIADIS, pg.124)
“Mas há igualmente a impossibilidade radical de dar o mínimo sentido à segunda tarefa, de deduzir o futuro, impossibilidade que leva à necessária e absurda afirmação do “fim da História”, a partir daquele momento. Esse “fim da História” não é nem uma questão de humor nem uma opinião pessoal de Hegel, ele é simultaneamente o pressuposto e a conclusão de todo o seu sistema.” (CASTORIADIS, pg.125)
Comentário: Nas duas citações anteriores, Castoriadis contesta as afirmações dos estruturalista e de Hegel onde as sociedades seriam o que são em função dos indivíduos que as formam. O autor se contrapõe à estes argumentos justificando que se fosse assim, seria possível reproduzir sociedades a partir da seleção de seus indivíduos.
“Mas as formas de sociedade, as obras, os tipos de indivíduos que surgem na História não fazem parte de uma lista, fosse ela infinita, de possíveis existentes e positivos. Eles são criações a partir das quais novos possíveis, antes inexistentes, porque privados de sentido, aparecem. A expressão “possível” só tem sentido no interior de um sistema de determinações bem especificadas.” (CASTORIADIS, pg.126)
Comentário: Complementando o comentário anterior após a citação acima, Castoriadis então defende que não existe uma lista de formas prontas de sociedades e de tipos de indivíduos. Segundo o autor, novas sociedades e novos tipos de indivíduos surgem pelo fato de serem privados de sentido (pois caso contrário teríamos na história a repetição de sociedades pré-existentes).
“Faz quarenta anos que se vem repetindo que não existe natureza humana ou essência do homem. Essa constatação negativa é inteiramente insuficiente. A natureza — ou a essência do homem — é precisamente esta “capacidade”, esta “possibilidade” no sentido ativo, positivo, não predeterminado de fazer existir formas outras de existência social e individual, como podemos facilmente verificar ao considerarmos a alteridade das instituições da sociedade, das línguas ou das obras. Isso significa que existe de fato uma natureza ou uma essência do homem,definida por esta especificidade central que é a criação, pela maneira e pelo modo segundo os quais o homem cria e se autocria.” (CASTORIADIS, pg.126)
“Mas, em outro sentido, criação não significa indeterminação: aqui a criação é precisamente a posição de novas determinações. O que teríamos compreendido sobre a música, ou a Revolução Francesa, se nos limitássemos a dizer que a História é o campo do indeterminado? A criação da música como tal, ou de determinada obra musical, ou a Revolução Francesa, são posições de novas determinações; são criações de formas. Uma forma, um eidos, como teria dito Platão, significa um conjunto de determinações, um conjunto de possíveis e de impossíveis definidos a partir do momento em que a forma é colocada.” (CASTORIADIS, pg.127)
Comentário: Nas duas citações anteriores Castoriadis defende que a essência da natureza do homem é justamente a capacidade de novas formas de existência social e, consequentemente também individual. Não se trata, segundo o autor, de uma indeterminação e sim, uma determinação é a capacidade de criação de novas determinações, de novas formas do homem para viver em sociedade.
“Criação: capacidade de fazer emergir o que não está determinado, ou não é derivável, de modo combinatório ou não, a partir do existente. Pensamos imediatamente que é justamente esta capacidade que corresponde ao sentido profundo dos termos imaginação e imaginário quando abandonam os seus usos superficiais. A imaginação não é simplesmente a capacidade de combinar elementos dados para produzir outra variante de uma forma já dada; a imaginação é a capacidade de colocar novas formas. É verdade que esta nova forma utiliza elementos que já existiam; mas a forma como tal é nova.” (CASTORIADIS, pg.128)
Comentário: Com base nos argumentos defendidos anteriores à citação acima, Castoriadis chega à definição de criação e imaginação, qual seja, a partir de algo existente, fazer emergir algo única até então inexistente.
“A imaginação incorporada à nossa sensibilidade fez existir esta forma de ser que não existe na natureza (não há cores na natureza, há apenas radiações): o vermelho, o azul, a cor em geral que “percebemos” — termo abusivo, certamente — e que outros artimais, em razão de sua imaginação sensorial diversa, “percebem”de outra forma. Imaginação, Einbildung em alemão, significa colocação em imagens; em certos aspectos, ela é comum a nós todos, enquanto pertencentes ao genus homo, mas cada uma de suas manifestações é absolutamente singular.” (CASTORIADIS, pg.128)
Comentário: Castoriadis apresenta um exemplo de uma forma que apresenta significado social mas, também, uma representação interna singular. O conceito da cor azul por exemplo, mesmo que haja uma definição de padrão de cor (classificação RBG), ainda possui uma representação interna para cada pessoa.
“Não existe ser mais louco do que o homem, quer o consideremos nas profundezas de seu psiquismo, quer em suas atividades cotidianas. As formigas ou os animais selvagens têm uma “racionalidade” funcional de longe superior à do homem: eles não cometem erros nem comem champignons venenosos. Os homens precisam aprender o que é ou não alimento. Não é, portanto, a partir da “racionalidade”, da “lógica” — que caracterizam em geral todo ser vivo, como lógica operante — que podemos caracterizar o homem. A capacidade de criação nos faz precisamente ver por que a essência do homem não poderia ser a lógica e a racionalidade. Com a lógica e a racionalidade podemos chegar ao infinito virtual (depois de 2 bilhões, há ainda 2 bilhões com a potência 2 bilhões), podemos extrair ao infinito as consequências de axiomas já antes colocados; mas nem a lógica nem a racionalidade jamais permitirão imaginar um novo axioma. A matemática, a mais alta forma de nossa lógica, só pode ser constantemente relançada se imaginamos e inventamos, e os matemáticos sabem muito bem disso, mesmo quando não são capazes de elucidar este fato.” (CASTORIADIS, pg.129)
Comentário: Castoriadis defende que o ser humano, por sua capacidade de criação, não poderia ter sua essência conhecida por meio da racionalidade ou da lógica.
“A partir destas constatações, podemos colocar como característica essencial do homem a imaginação e o imaginário social. O homem é psyché, alma, psique profunda, inconsciente; e o homem é sociedade, ele só existe em e por meio da sociedade, de sua instituição e das significações imaginárias sociais que tornam a psique apta para a vida. A sociedade também é sempre História: nunca existe, nem mesmo numa sociedade primitiva, repetitiva, um presente cristalizado; em outras palavras, mesmo na sociedade mais arcaica, o presente é sempre constituído por um passado que o habita e por um futuro que ele antecipa. Logo, trata-se sempre de um presente histórico. Para além da biologia que, no homem, ao mesmo tempo persiste e encontra-se irremediavelmente desregulada, o homem é um ser psíquico e um ser sócio-histórico. E é nestes dois níveis que encontramos a capacidade de criação, que chamo de imaginação e imaginário.” (CASTORIADIS, pg.129)
Comentário: Castoriadis define então seus conceitos de imaginário e imaginário social. O primeiro pertencente ao domínio da alma do homem mas que, só ganha significado quando esta imaginação ajuda o mesmo a se adaptar socialmente criando, assim, os imaginários sociais. Pode-se dizer que o imaginário social são os artefatos criados pela imaginação coletiva para adaptar a alma para vida em sociedade.
“A linguagem, as leis: o que se pode dizer delas? Seria possível imaginar um legislador primitivo, que ainda não possuísse a linguagem, mas que fosse suficientemente “inteligente” para inventá-la sem possuí-la, e para persuadir os outros seres humanos, que ainda não a tivessem, que seria útil falar? Ideia ridícula. A linguagem nos mostra o imaginário social em ação, como imaginário instituidor, colocando ao mesmo tempo uma dimensão estritamente lógica, que denomino conjunto de identificação (toda linguagem deve poder dizer 1 mais 1 igual a 2); e uma dimensão propriamente imaginária, pois na linguagem e por meio dela são definidas as significações imaginárias sociais que mantêm uma sociedade unida: tabu, totem, Deus, polis, nação, riqueza, partido, cidadania, virtude, ou a vida eterna.” (CASTORIADIS, pg.130)
“Esse imaginário social que cria a linguagem, que cria as instituições, que cria a própria forma da instituição — que não tem sentido na perspectiva da psique singular — nós só podemos pensá-lo como a capacidade criativa do coletivo anônimo, que se realiza a cada vez que os seres humanos se reúnem, e assume uma figura singular, instituída para existir.” (CASTORIADIS, pg.130)
“O conhecer e o agir do homem são, portanto, indissociavelmente psíquicos e sócio-históricos, dois pólos que não podem existir separadamente, e que são irredutíveis, um em relação ao outro. Tudo o que encontramos de social em um indivíduo, e até mesmo a idéia de indivíduo, é socialmente fabricado oucriado, em correspondência com as instituições da sociedade. Para encontrar no indivíduo alguma coisa que não seja verdadeiramente social, se isto é possível -— e não porque de qualquer modo, isso deve passar pela linguagem — seria necessário poder alcançar o derradeiro centro da psique, onde os desejos mais primários, os modos de representar mais caóticos, os afetos mais brutos e mais selvagens atuam.” (CASTORIADIS, pg.131)
Comentário: Castoriadis apresenta a linguagem como um exemplo perfeito de imaginário social que não existiria na forma singular (um ser humano sozinho não veria a necessidade de criar uma linguagem para se comunicar com ele mesmo). Assim como linguagem, também outras criações da “capacidade criativa do coletivo anônimo” são instituídas: “tabu, totem, Deus, polis, nação, riqueza, partido, cidadania, virtude, ou a vida eterna”, bem como as instituições sociais de uma maneira geral.
“E eis uma segunda grande conclusão ontológica que tem sua origem na antropologia filosófica: o ser, o ser em geral, é feito de tal forma que existem seres que se alteram por si e criam, sem que o saibam, as determinações de seu ser particular. Isto vale para todas as sociedades. Outra conclusão: o ser é feito de tal forma, que há seres que podem criar a reflexão e a deliberação por meio das quais eles alteram, de maneira refletida e deliberada, as leis, as determinações de seu próprio ser.” (CASTORIADIS, pg.134)
Comentário: Acima Castoriadis apresenta seu posicionamento ontológico com base na antropologia filosófica: a de que o homem altera e cria – por si e sem saber ou de maneira refletida e deliberada – as determinações do seu próprio ser.
“Se dermos esse sentido à verdade, devemos dizer que o social-histórico, a antropologia no verdadeiro sentido, que é o lugar da verdade. Porque não apenas é no social-histórico, e por ele, que são criadas a linguagem, a significação, a idealidade, a exigência da validade de direito, mas é também somente no social-histórico e por ele que podemos responder da melhor maneira possível a esta exigência e sobretudo: é exclusivamente no social-histórico e por meio dele que esta ruptura do fechamento e o movimento que a manifesta podem existir.” (CASTORIADIS, pg.136)
Comentário: Castoriadis defende a ideia então que é no social-histórico que as determinações (e as criações) acontecem e que por isso, somente por ele podem ser explicadas.
“Uma mudança só será possível se, e somente se, houver um novo despertar, se tiver início uma nova fase de criatividade política densa da humanidade, o que implica, por sua vez, sair da apatia e da privatização que caracterizam as sociedades industriais contemporâneas. Em outras palavras, a inovação histórica certamente jamais cessará, sendo toda a ideia de um “fim da História” multiplamente absurda; mas o risco está no fato de que essa inovação, em lugar de produzir indivíduos mais livres em sociedades mais livres, faça aparecer um novo tipo humano, que podemos provisoriamente chamar de “zapantropo”! ou de “reflexantropo”, tipo que deve ser mantido na coleira, mantido na ilusão de sua individualidade e de sua liberdade por mecanismos tornados independentes de qualquer tipo de controle social, e gerados por aparelhos anônimos, cuja dominação está desde já a caminho.” (CASTORIADIS, pg.142-143)
Comentário: Por fim, Castoriadis defende que uma mudança somente é possível a partir de uma nova criação, de um novo despertar. Com isso ele novamente refuta a ideia de qualquer determinação que não seja a criação espontânea da imaginação e do imaginário social.
REFERÊNCIAS
CASTORIADIS, Cornelius. As Encruzilhadas do Infinito IV – A ascensão da insignificância. [tradução de Regina Vasconcellos]. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
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