Prefácio à Segunda Edição da Crítica da Razão Pura – Resumo

Prefácio a Segunda Edição da Crítica à Razão Pura de Kant

Resumo e Comentários – Ubirajara T. Schier

Primeiro ponto: Se a elaboração dos conhecimentos pertencentes ao domínio da razão segue ou não o caminho seguro de uma ciência.

Quando para se atingir determinado resultado, é necessário frequentemente voltar atrás e tomar outro caminho ou quando é impossível um consenso entre os colaboradores sobre a forma que determinado resultado deve ser perseguido. Diz-se, que esse não é o caminho seguro da ciência.

Quanto à Logica:

Ao que parece quanto à sua elaboração, não foi preciso dar um passo atrás, como também nenhum passo adiante. Ao que tudo indica, trata-se de um conhecimento completo e acaba do que expõe detalhadamente e prova nada mais que as regras de todo o pensamento. A vantagem do seu sucesso deve-se simplesmente à sua limitação, pois é obrigada a abstrair-se de todos os objetos do conhecimento bem como das suas diferenças, de modo a que nela o entendimento tem que lidar apenas consigo mesmo e com sua forma.

Quanto à Razão:

Para a razão tinha que ser naturalmente mais difícil seguir o caminho seguro da ciência, quando ela precisa ocupar-se não somente consigo mesma, mas também com os objetos.

Na medida em que deve haver razão nas ciências, algo tem de ser conhecido nelas a priori, e o conhecimento da razão pode ser proferido de 2 modos em relação ao objeto: conhecimento teórico e conhecimento prático. Independente do conteúdo, a parte pura de ambos, ou seja, aquela que a razão determina o seu objeto completamente a priori, tem que ser exposta antes sozinha, separada daquela que provém de outras fontes.

Quanto à Matemática e a Física:

A matemática e a física são dois conhecimentos teóricos da razão que devem determinar seus objetos a priori, a primeira de modo inteiramente puro, a segunda de modo pelo menos em parte puro, mas tomando ainda como medida outras fontes de conhecimento que não as da razão.

Quanto à Ciência da Natureza:

A Ciência da natureza procedeu muito mais lentamente até encontrar o largo caminho seguro da ciência, onde até então por muitos séculos nada mais havia sido que um simples tatear.

Os pesquisadores compreenderam que a razão tem que ir à natureza tendo em uma das mãos os princípios unicamente segundo os quais os fenômenos concordantes entre si podem valer como leis, e na outra, o experimento que ela imaginou segundo aqueles princípios, que, para ser instruída pela natureza, o faz na qualidade de um juiz nomeado que obriga as testemunhas a responder às perguntas que lhes propõe.

Quanto à Metafísica:

A Metafísica, um conhecimento da razão inteiramente isolado e especulativo que através de simples conceitos se eleva completamente acima do ensinamento da experiência, na qual portanto a razão deve ser aluna de si mesma, não teve até hoje um destino que lhe permitisse encetar o caminho seguro da ciência. A razão emperra continuamente na Metafísica mesmo quando quer discernir a priori as leis que a experiência mais comum afirma e nela precisa retomar o caminho inúmeras vezes, por que se descobre que não leva onde se quer. Não há dúvida alguma que seu procedimento até agora foi um simples tatear e, o que é pior, entre mero conceitos.

Neste ponto, Kant afirma que, por hora, a Metafísica não segue o caminho seguro da ciência. Caracteriza o procedimento da Metafísica semelhante a um simples “tatear”, procedimento no qual por muitas vezes não leva onde se quer.

Segundo ponto: Ao que se deve o fato de não se ter podido a Metafísica aqui encontrar ainda o caminho seguro da ciência?

Até agora, a exemplo da Matemática e da Física, se supôs que todo o conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém todas as tentativas fracassaram ao se fazer o mesmo mediante conceito e se estabelecer algo a priori sobre os mesmos.

Assim, para a metafísica, deve-se admitir a hipótese inversa, a de que os objetos têm que se regular pelo conhecimento – o que assim já concorda melhor com a possibilidade de um conhecimento a priori dos objetos mesmo antes destes nos serem dados (tal como Copérnico fez para tentar explicar os movimentos celestes, quando experimentou mover o expectador em torno dos astros – desistindo assim de mover os astros em torno do expectador).

A própria experiência é um modo de conhecimento que requer entendimento, expressos por meio de conceitos a priori ainda antes de serem dados objetos, de forma que todos os objetos da experiência se regulem e concordem com estes conceitos.

São 2 caminhos: Ou se valida uma teoria formulada (por meio de um conhecimento a priori) através da experiência; ou se formula uma teoria (conhecimento a postori) a partir da experiência.

O primeiro caminho assegura à Metafísica o caminho seguro da ciência, na qual se ocupa com conceitos à priori cujos objetos correspondentes podem ser dados adequadamente na experiência.

O resultado obtido entretanto, não pode levar para além dos limites da experiência possível. O incondicionado tem que ser encontrado não nas coisas a medida em que as conhecemos (nos são dadas), mas sim nelas na medida em que não as conhecemos.

A análise do metafísico separou o conhecimento puro a priori em dois elementos muito desiguais, a saber, o das coisas como fenômenos e o das coisas em si mesmas.

Enquanto não se têm comprovação do conhecimento a priori por meio dos fenômenos dos objetos, esse conhecimento a priori situa-se além da experiência sensível, tratando os objetos apenas em si mesmos. Entretanto, quando se observa nos fenômenos dos objetos esse conhecimento à priori, este reduz-se à experiência sensível, a dos objetos como fenômenos.

Os fenômenos dos objetos são o que podemos observar por meio de uma experiência sensível, que é onde pode se seguir o caminho seguro da ciência. Enquanto isso não ocorre, temos apenas os objetos em si mesmos, ainda além da experiência sensível (pois o que podemos experienciar dos objetos são apenas seus fenômenos).

O que pode-se entender da CRP de Kant (até aqui) é que a Metafísica consiste na elaboração de um conhecimento a priori das coisas em si enquanto não se é possível se verificar os fenômenos destas coisas por meio do experimento prático. Ou seja, consiste no pensar nas coisas em si enquanto ainda não as conhecemos, pois é aí que o pensar ultrapassa os limites da experiência. A partir do momento em que verificamos o conhecimento a priori nos fenômenos dessas coisas por meio da experiência, passamos a ficar limitadas a ela.

A resposta ao questionamento é a de que a parte da qual deve se ocupar a Metafísica propriamente dita, ainda não encontrou o caminho seguro da ciência, pois este não possibilita transcender a experiência sensível.

Terceiro ponto: “A razão especulativa”, seria segundo Kant aquela que diz respeito Ao conhecimento a priori das coisas em si. A reflexão agora é: Existiriam elementos do conhecimento prático que possam ser aproveitados para determinar o conceito racional transcendente do incondicionado?

O objetivo da crítica da razão pura especulativa é o de tentar remodelar o procedimento tradicional da Metafísica, promovendo uma completa revolução da mesma. É um tratado de método e não um sistema da ciência.

A principal característica da razão pura especulativa é a de que ela deve, no final das contas, explicar e recorrer somente à si mesma, uma vez que não pode contar com os objetos.

A Metafísica também não pode participar de nenhuma outra ciência que tenha a ver com objetos, mas uma vez conduzida por essa crítica ao caminho seguro da ciência, poderá abranger todo o campo dos conhecimentos e assim dar-se como concluída de forma que se possa legá-la à posteridade, uma vez que se ocupa somente com princípios e com as limitações do seu uso, determinadas por aqueles mesmos princípios.

Aqui Kant reforça o objetivo em encontrar um caminho seguro da ciência para a razão pura especulativa. Que, ao atingir esse resultado, colocaria a Metafísica sobre os demais conhecimentos, como uma ciência fundamental.

Prova-se por meio da crítica que o espaço e tempo são apenas formas da intuição sensível, portanto somente condições da existência das coisas como fenômenos.

Não podemos conhecer nenhum objeto como coisa em si mesma, mas somente na medida em que for objeto da intuição sensível, disto resultando na limitação de todo o possível conhecimento especulativo da razão aos meros objetos da experiência. Todavia, note-se bem, se não podemos conhecer esses mesmos objetos como coisas em si mesmas tem, pelo menos, que poder pensá-los.

Mas posso pensar o que quiser, desde eu não me contradiga e ainda que não possa garantir se no conjunto de todas possibilidades lhe corresponde ou não um objeto.

Neste trecho Kant defende a integridade do pensamento da razão pura especulativa, ainda que seja um pensamento possível, mesmo sem a garantia de que encontrará fenômenos demonstráveis por meio da experiência.

Quarto questão: Da relação entre as coisas em si mesmas e as coisas dos fenômenos.

Conquanto não possa conhecer a minha alma, considerada sob este último aspecto, mediante razão especulativa alguma (menos ainda pela observação empírica) e por conseguinte tampouco a liberdade como propriedade de um ente ao qual atribuo efeitos no mundo sensível, pois teria que conhecer um tal ente como determinado em sua existência e todavia como não determinado no tempo (o que é impossível, não podendo eu pôr intuição alguma sob o meu conceito),posso contudo pensar a liberdade, isto é, sua representação não contém, pelo menos, nenhuma contradição em si desde que ocorra a nossa distinção crítica entre ambos os modos de representação (o sensível e o intelectual).

Kant utiliza os exemplos da Alma e da Liberdade para destacar a relação de um mesmo objeto visto sob os dois modos de representação: como coisa em si mesma (representação intelectual) e como coisa dos fenômenos (representação sensível). Segundo Kant, isso é possível desde se faça sempre uma distinção crítica entre nos modos de representação. Um objeto pode apresentar um determinado comportamento em uma representação e outro contrário na outra, sem que isso caracterize uma contradição. De uma forma geral, uma coisa pode ser em uma representação e não-ser em outra.

Como para a moral nada mais necessito que a liberdade não se contradiga e portanto seja pelo menos pensável sem necessidade de discerni-la ulteriormente, que portanto não oponha nenhum obstáculo ao mecanismo natural precisamente da mesma ação (tomada em outra relação), assim tanto a doutrina da moralidade como a da natureza mantém o seu lugar, o que porém não ocorreria se a crítica não tivesse antes nos instruído sobre a nossa inevitável ignorância acerca das coisas em si mesmas e limitando a meros fenômenos tudo o que podemos conhecer teoricamente.

Kant também faz uso do exemplo da relação causal entre Moral e Liberdade, onde condiciona a Moral à existência da Liberdade sem que essa possa, portanto, se contradizer. Kant com isso reforça a clara necessidade da distinção das representações para dar liberdade ao pensar em quaisquer uma delas, ainda que contraditórias para um mesmo objeto ou não, ou que uma delas possa vir sequer a existir (ainda que não existam a coisa dos fenômenos, pode-se estabelecer um conhecimento teórico acerca do objeto).

Quinto ponto: Do objetivo e da utilidade da crítica a razão pura.

Precisamente essa discussão sobre a utilidade positiva dos princípios críticos da razão pura pode ser patenteada nos conceitos de Deus e da natureza simples de nossa alma, o que passo por alto para ser breve. Não posso portanto sequer admitir Deus, liberdade e imortalidade com vistas ao uso prático necessário da minha razão sem ao mesmo tempo tirar da razão especulativa sua pretensão a visões exageradas, pois para chegar a estas ela precisa empregar princípios que, estendendo-se de fato apenas a objetos da experiência possível não obstante serem aplicados ao que não pode ser objeto da experiência, na realidade sempre transformam o último em fenômeno e assim declaram impossível toda a ampliação prática da razão pura. Portanto, tive que elevar o saber para obter lugar para a fé, e o dogmatismo da Metafísica, isto é, o preconceito de progredir nela sem crítica da razão pura, é a verdadeira fonte de toda a sempre muito dogmática incredulidade antagonizando a moralidade.

Ao distinguir as representações, Kant observou o pensamento acerca das coisas em si que não possuem (ainda) representação à nível dos fenômenos. Trata-se do pensar sobre o que ainda não se conhece, mas defendendo, entretanto, a necessidade de criação de um método seguro desse pensar tal como se faz para o conhecimento das coisas dos fenômenos.

a Crítica é antes a instituição provisória necessária para promover uma Metafísica fundamental como ciência que precisa ser desenvolvida de modo necessariamente dogmático e sistemático segundo a mais rigorosa exigência, portanto escolástica (não popular); pois essa exigência à Metafísica é indispensável, já que se compromete a realizar sua obra de modo inteiramente a priori, portanto para a plena satisfação da razão especulativa.

Na execução do plano prescrito pela Crítica, isto é, no futuro sistema da Metafísica, temos pois que seguir algum dia o método rigoroso do famoso Wolff, o maior de todos os filósofos dogmáticos. Este deu pela primeira vez o exemplo (e com este exemplo foi o criador do espírito de meticulosidade na Alemanha que até agora ainda não se extinguiu) como se deve tomar o caminho seguro de uma ciência estabelecendo princípios legítimos determinando claramente os conceitos, buscando rigor nas demonstrações, evitando saltos temerários em conclusões.

Para Kant, quando ao tratar das coisas em si e não das coisas como fenômenos, para assim cumprir com seu papel de ir além da experiência sensível, é preciso reconhecer a crítica como um instrumento que aponta para a necessidade do desenvolvimento de uma Metafísica que possa tratar das coisas em si seguindo o mesmo caminho seguro através do qual as demais ciências tratam das coisas como fenômenos.

Do ponto final: das Conclusões Gerais acerca do Prefácio da CRP

De uma maneira geral, podemos dizer que Kant faz uma crítica à razão pura no que diz respeito à sua incompletude, pois somente por meio da experiência sensível não é possível transcendê-la e, portanto, não alcança o propósito da Metafísica. Ao mesmo tempo, Kant critica a razão especulativa, na esperança de que um dia esta possa a seguir o caminho seguro da ciência para tratar e pensar as coisas em si, enquanto essas buscam comprovação também por meio da experiência sensível das coisas como fenômenos.

Dessa forma Kant consegue estabelecer, novamente, uma distinção entre aquilo que pode ser conhecido por meio dos fenômenos daquilo que só se pode ser pensado, porém não conhecido, a partir de um conhecimento a priori.

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