A ciência é independente do seu contexto social?

A construção social dos fatos científicos. Texto: Steven French. “Independência”, in: Ciência: conceitos-chave em filosofia, cap. 9.


A questão se a ciência independe de seu contexto social ou se é fruto dela é objeto permanente de discussão entre sociólogos e cientistas. Uma das respostas seria que o contexto social proporciona condições para o desenvolvimento da ciência mas sem, entretanto, afetar a objetividade ou o conteúdo das teorias científicas. A outra resposta é a de que o contexto social, além de fornecer as condições para o desenvolvimento da ciência, também influenciaria a objetividade e o conteúdo das teorias científicas.

Em algumas circunstâncias, a ciência pode ser entendida como uma atividade social, mas sem que sua objetividade seja afetada. Essas circunstâncias são:

1- Fatores sociais podem determinar o que as ciências investigam: Como é o contexto social que fornece os recursos para o desenvolvimento da ciência, nada mais natural que este também determine, de acordo com suas necessidades e prioridades, os problemas a serem investigados e solucionados pela ciência. A determinação do que a ciência irá investigar, em função das necessidades de aplicação de recursos, não afeta entretanto a objetividade da ciência;

2- Fatores sociais podem determinar como as ciências investigam: Uma vez inserida em um determinado contexto social e por ele financiada, a ciência também pode eventualmente sofrer restrições quanto à sua forma de atuação. Essas restrições poderiam ser aplicadas visando otimização dos recursos alocados, como, também, de caráter ético. Dessa forma, o contexto social pode, assim, impor restrições quanto aos métodos empregados pelas atividades científicas inseridas naquela contexto. Por outro lado existem vários caminhos que podem ser tomados para se chegar à um resultado desejado e  a eliminação de um deles não inviabiliza a ciência de atingir seu objetivo.

 3- Fatores sociais podem determinar o conteúdo de crenças científicas: Neste ponto, devemos admitir que existem situações em que o contexto social pode a influenciar a aceitação ou não das descobertas científicas como, também, interferir no processo científico para que se chegue a a determinados resultados de interesse social. Nestes casos perde-se a objetividade científica, uma vez que suas descobertas são submetidas à interesses irracionais sob o ponto de vista científico. Quando isso ocorre, podemos dizer que a ciência é fruto de uma construção social.

Se a objetividade da ciência pode ser desviada para atender interesses sociais, então temos uma quebra da credibilidade da ciência. A racionalidade que assegurava a transparência e confiança de que os resultados obtidos, bons ou ruins, eram de fato aqueles, se perde quando existem interesses ocultados por trás destes resultados. Essa possibilidade abre espaço para um diferente tipo de entendimento da ciência, um entendimento relativista onde os resultados produzidos pela ciência dependem do contexto social onde esta é desenvolvida.

Para o relativista:

De acordo com o relativista, os padrões de aceitabilidade ou justificação de crenças cientificas são socialmente determinados por valores que são extemos a ciência. Não ha uma justificação “global” privilegiada, tal como estar em correspondência com os “fatos”. O que conta como um “fato” cientifico é socialmente determinado, e assim é a verdade. Desse modo, a ciência não é melhor do que qualquer outra forma de crença; todas as crenças são iguais porque não há uma distinção entre o que é “realmente” conhecimento objetivo e o que é localmente aceito como tal. (Steven French, pág. 133)

Em outras palavras, podemos dizer que a ciência é uma crença social. Existem entretanto aqueles que defendem o que poderíamos chamar de relativismo científico, onde os padrões de aceitabilidade ou justificação de crenças científicas são socialmente determinados por valores que são externos à ciência. Essa visão por sua vez apresenta os seguintes problemas:

O primeiro problema consiste no fato de que se os resultados produzidos pela ciência dependem do contexto social então a natureza objetiva da ciência se perde, ou seja, a objetividade também é relativa. E se a objetividade é relativa, então trata-se talvez de um outro tipo de ciência, mas não a ciência racionalista.

O segundo problema é que ciência se subjuga ao contexto social. Ela perde por sua vez a natureza que a impulsiona ela própria em direção ás suas descobertas, passando do papel de protagonista que faz suas próprias descobertas, para o papel de coadjuvante que “descobre” somente aquilo que interessa ser descoberto.

O terceiro problema consiste no fato de que, por atender à interesses locais, suas descobertas perdem por sua vez o alcance à outros contextos sociais que poderia fazer uso das descobertas se estas não fossem “contextualizadas”. Em outras palavras, a contextualização da ciência limita sua abrangência.

O embate e discussão entre os racionalistas e relativistas não para por aqui. É a briga incessante entre a liberdade de atuação da ciência e a limitação impostas pelas mãos que a sustenta.

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