Ladakh Experience – O trajeto



– Primeiro dia: “a preparação” – Leh, 01 de junho de 2010.


Era uma terça-feira. Fiquei em função de arrumar as malas para partir rumo ao início do trekking: Likir. Estava determinado e depois de algum tempo já estava tudo pronto. Mas escorpiano é foda… geralmente radical em tudo. Digo isso porque foi colocar a mala nas costas e sentir o peso para concluir que meu plano não daria certo. Lembrava das estradas entre as montanhas que subiam e desciam, da direita para a esquerda…da esquerda para a direita no trecho entre Leh e o lago PangGong. Fiquei imaginando se eu tivesse que carregar todo aquele peso montanha acima por quilômetros… nada… sem essa de querer bancar o super-homem.


Voltei atrás com o plano original de deixar uma mala no hotel, pois realmente não seria possível seguir adiante minha jornada pela Índia sem olhar para trás… Depois de algum tempo novamente, tudo pronto.


O ônibus para Likir partiria às 07:30, mas eu não estava disposto a acordar tão cedo… pegaria o ônibus das 16:00. – Likir


– Segundo dia: “Likir” – Leh, 02 de junho de 2010.


Perto do 1/2 dia encontrei no supermercado um turista holandês que conheci no hotel. Ele já havia feito a mesma trilha poucos dias antes.


Conversamos um pouco e tratei de pegar o máximo de informações que pudessem me ajudar a saber se eu estava realmente preparado. Ele havia ficado em “guest houses” ao longo do caminho. Não necessitou de barraca e acessórios…


Almocei e retornei ao hotel para aguardar até a hora do ônibus para Likir. Eram 13:30 quando me dei conta de que ainda estava levando muita coisa… barraca, colchonete… e tudo ainda distribuído não em uma mas em duas mochilas!


Percebi que a segurança de ter onde dormir, no caso a barraca, seria algo que traria mais prejuízo que benefício. Abandonei o plano de levar a barraca como segurança e, 20 minutos depois, com apenas uma mochila, me dirigi à estação de ônibus.


Paguei 150 rupias pelo trajeto Leh – Likir e duas horas depois de subir e descer montanhas, cheguei finalmente em Likir. O ônibus parou em frente à uma guest house, onde prontamente vieram me receber. Por 300 rupias havia um teto, uma cama, janta e café da manhã nesta casa de família. Aqui na Índia isso é muito comum. Além de ter onde ficar mais confortavelmente, estava junto de pessoas simples e tradicionais de Ladakh foi uma experiência única. Comer uma comida caseira bem preparada junto com a família reunida foi algo muito bom, além das conversas sobre budismo, as diferenças entre Brasil e Índia que tive com o filho do dono da casa.


Ter encontrado o holandês no supermercado fez toda diferença. Tá certo que a cidade é pequena, mas nem tanto assim para encontrar os poucos conhecidos na hora exata…


– Terceiro dia: “as forças da natureza se apresentam” – Leh, 03 de junho de 2010.

Três coisas que, combinadas, merecem muito, mas muito respeito: chuva, vento e altitude.

De Likir parti à pé em meio à trilhas perdidas entre as montanhas. A estrada e os cabos de energia elétrica pelo menos me davam a garantia de estar seguindo na direção correta. Ao longe, avistei outros dois viajantes, que seguiam a mesma trilha um pouco mais à frente.


Pouco antes de ter avistado a primeira casa após ter iniciado a trilha, percebi que os dois viajantes vinham lá embaixo, cortando o rio enquanto eu seguia pelo alto da estrada. Um morador local fez sinal para mim descer e não continuar pela rodovia. Desci e fui ao seu encontro.


Já havia passado os dois viajantes quando decidi parar um pouco, descansar e comer algo. Quando conversando com o morador local, um jovem de 21 anos, cruzaram os dois viajantes: um era o guia e a outra, uma moça Indiana. Eles seguiram pela trilha enquanto eu ainda conversava com “Asthu” que havia me dito: “acho que vai chover…”


A trilha a partir dalí não seguia a estrada, nem tão pouco os fios de energia elétrica… mas identifiquei as pegadas do guia e da moça Indiana, que não me deixavam perdido. Também ao longo da trilha é comum os viajantes construírem pequenos totens de pedra para sinalizar o caminho.


Pouco tempo depois já estava alcançando os dois viajantes, que iam bem devagar, cada um carregando apenas uma pequena mochila… estranho, pensei… Mas deixei eles ir na sempre na frente pois, afinal, estava com uma mochila de 15 kg nas costas.


Pouco antes do final da trilha, sinalizada por bandeiras budistas, a trilha finalmente encontrava a estrada novamente. A próxima vila não estaria longe e o chuvisco já começava a incomodar. Passei o guia e a moça que ficaram para trás olhando não sei o quê…


Mas foi depois de pegar a estrada que a chuva e o vento aumentaram. Devido à altitude, a sensação era de que aquele vento molhado estava cortando minhas mãos. Pouco depois já não mais as sentia. Fazia movimentos, batia nelas, mas nada resolvia.


Parei atrás de uma grande rocha, que me protegeu da chuva e do vento que vinham quase que horizontalmente. Uma vez “salvo”, passei a ficar muito preocupado com os dois que haviam ficado para trás e tardavam a aparecer. Estava dividido entre largar a mochila e voltar em busca deles ou de seguir rapidamente ao vilarejo para pedir ajuda…


Assim que a chuva e o vento deram uma trégua, continuei rapidamente em direção ao vilarejo. Não sabia se conseguiria encontrá-los ou se eu resistiria todo molhado naquele frio. Segui caminhando quando ouvi um carro que vinha pela estrada. Ataquei o carro fazendo-o parar, pois queria saber se eles haviam vistos os dois viajantes e se seria possível voltar para encontrá-los. Afinal, eles deveriam estar molhados e com muito frio, pois não haveriam de ter muito equipamento para esta situação naquelas pequenas mochilas…


Mas para minha surpresa eram eles que vinham dentro do carro!!! Já confortavelmente aquecidos,o guia havia telefonado para seu colega que veio apanhá-los em um Jeep.


Como eu já havia parado o carro, me deram então carona até o vilarejo, uma vez que eu àquela altura estava congelando de frio.


“Nisha” era o nome da moça. Mas tratava-se de uma indiana falsificada no Texas, EUA. Na verdade era uma americana que estava se preparando, pois queria ir à África subir o Kilimanjaro.


Deram-me uma carona até o vilarejo e seguiram de volta a Leh. Na guest house, nunca tirei tão rápido as roupas que, molhadas, grudavam no corpo. Coloquei roupas secas, cozinhei 2 pacotes de noodles no meu fogareiro e dormi. Estava dolorido da caminhada. Eram 13 horas e eu havia caminhado apenas desde às 8 da manhã.


Dormi praticamente a tarde toda. Quando acordei percebi o sol tímido que aparecia entre as nuvens, mas que era o suficiente para secar as roupas para seguir na manhã seguinte…


– Quarto dia, 04 de junho de 2010.


Me lembrei da Allison, norte-americana que conheci na Inglaterra durante um programa voluntário… ela brincava e dizia: “se um americano está em perigo, seja onde for, pode esperar alguns minutos que um helicóptero estará chegando para fazer o resgate!”  hahaha … já o brasileiro aqui que se f… né?!!


Eram entre 8 e 8 e meia da manhã quando deixei a guest house. O tempo parecia bom… céu claro, sol, mas com algumas poucas nuvens escuras que não se faziam intimidar.


Parti em direção à Hemis, próxima parada acerca de 3 horas de caminhada. Pouco tempo após ter iniciado a caminhada pela estrada já deixava a mesma para pegar uma trilha entre as montanhas. A mesma história… a estrada necessita dar “n” voltas para vencer as montanhas, enquanto que as trilhas de trekking são como “atalhos” que atravessam as montanhas em vez de contorná-las (também não teria muita graça fazer trilha pela estrada, né?)


Em seguida o tempo fecha… pensei: oh não, chuva novamente??? em vez disso começa a nevar. Desta vez não iria esperar que o pior me pegasse desprevenido… me encostei em uma árvore e abri os 2 toldos que havia trazido comigo.


Foi questão de minutos e a neve começa a cair com força! Não chegava a ser neve em quantidade, mas com certeza o suficiente para me deixar na mesma situação do dia anterior: todo molhado.


Encolhido embaixo do toldo, esperei cerca de 1 hora até o tempo abrir de novo e segui minha jornada. Pouco tempo depois já avistava Hemis ao horizonte. Chegando lá parei em uma guest house onde pude tomar um Tchai e descansar um pouco.


Mas sair de Hemis foi um problema… Não sei se porquê era eu quem não entendia as informações em forma de mímica misturadas com o idioma local, o Ladaki, ou se realmente as pessoas não entendiam minha pergunta ou não sabiam a resposta. O fato é que fiquei das 11 às 14 horas caminhando à toa, procurando a sequência da trilha que saía do vilarejo de Hemis em direção à Temisgan.


Bom pensei… das 14:00 mais 3 horas de caminhada, vou chegar lá perto das 17 horas… Fiz uma pequena parada para comer uns biscoitos e continuei.


A sequência da trilha para Temisgan era fantástica! Só descida!!! Mas era necessário ter muito cuidado, pois um passo em falso podia resultar em um escorregão de 400 metros ou mais… em resumo, estaria f…


Mas quando já havia descido o suficiente encontrei com uma senhora, já de idade, que cuidava de suas vacas ao longo do córrego. Apenas para checar, perguntei se era aquele mesmo o caminho para Temisgan.


Foi quando, para minha surpresa, ela disse que não… que eu deveria subir praticamente tudo o que eu havia descido e pegar uma outra trilha… Subir???


Nem a pau juvenal! Perguntei então onde daria aquela trilha que eu estava seguindo e ela me informou que iria até Nurla, uma cidade à beira da estrada situada além de Temisgan. Eu acreditava, pelo “preciso mapa” (conforme vc´s podem observar) que eu teria que de qualquer forma chegar a Nurla depois de Temisgan para, então, pegar finamente um ônibus a LamaYuru.


Então pensei… Nurla? ok sem problemas… Temisgan vai ficar para uma próxima vez.


A trilha para Nurla era fácil, relativamente, pois eu continuava descendo… mas era uma trilha completamente insólita, silêncio absoluto. Apenas eu e as montanhas. Nem aves e outros animais haviam no lugar. Não é à toa que dizem que as montanhas de Ladakh lembram a Lua… não existe verde… apenas terra.


Seguia com cautela, pois em muitos trechos um passo em falso, um escorregão e eu já era… com minha “leve” mochila, sairia rolando muitos metros abaixo. Quebrar uma perna ou mesmo torcer o pé seria fatal. Se me acontecesse algo que me impossibilitasse de caminhar eu estaria perdido, pois ainda não era temporada de turistas e mesmo meu apito de emergência com seus 120 db não seria o suficiente para chamar a atenção de alguém (não havia ninguém!!!)


Então pensei logo o que me diriam quando eu contasse isso em casa… “mas meu filho!!! e se te acontecesse alguma coisa??? tu ia morrer lá, sabia disso?!”


minha resposta então seria… pode ser… mas pelo menos seria naquele lugar maravilhoso, atravessando as montanhas e realizando um sonho… bem melhor que morrer de velho, em um assalto, acidente de trânsito, erro médico.. etc…


Se eu pudesse escolher uma forma ou lugar para morrer seria exatamente daquela forma. Então estava tranquilo, não havia como que me preocupar…


Enfim avistei um vale onde parecia ser Nurla. Minhas pernas doíam e a fome era grande… mas pensei, ao menos não foi desta vez! hehehe


Fui me aproximando perto da “cidade” e comecei a reparar algo muito estranho. Os telhados e as casas eram muito parecidos… pensei: que cidade mais estranha essa… bem diferente das que eu já havia visto e não haviam pessoas nas ruas…


Mas não era uma cidade… não era Nurla… era uma base militar abandonada! Bom… pelo menos eu ainda tinha comida e água e agora por ali não seria difícil encontrar um teto caso precisasse…


Encontrei um homem que andava em meio os prédios abandonados,que por fim me informou a direção de Nurla.


Mais 2km até sair da base e finalmente acabo na estrada que vai de Leh a Srinagar. E agora? Nurla ficaria à esquerda ou direita???


Nada à vista para nenhum dos lados e ninguém parava o carro para dar informações. Não poderia errar o caminho novamente, pois não suportaria ter que retornar… não havia motivação mais para isso.


Me pareceu que à direita havia mais fluxo de carros e talvez fosse a direção de Nurla. Andei cerca de 1km quando avistei um sinal que indicava “HINDI” e que estaria a 5 km na direção que eu seguia. Do outro lado do sinal, indicava o nome da localidade que daria indo na direção oposta, situada à 18 km…


Bom… com certeza mesmo que Nurla for na outra direção, não conseguirei andar mais 18km!!! então segui os 5 km finais de caminhada.


Chegando em Nurla, a primeira pousada que encontrei foi um resort… custava 2000 rupias… disse que era muito para mim e que poderia pagar apenas 500…   fora de temporada, negócio fechado!


Para minha surpresa, a guest house mais próxima ficava à outros 5km…de trekking… em TEMISGAN!!! Não… já estava 3 dias sem banho, pois nas guest houses a água é fria (gelada!!!) e não consegui encarar não… dá-lhe lenço umedecido!!!


Tomei um banho bem quente e fui dormir… no outro dia teria que encontrar um jeito de seguir à LamaYuru, de carro ou ônibus, onde descansaria um dia ou dois antes de decidir encarar a próxima trilha até Chilling, com 12 dias de duração…


– Quinto dia, 05 de junho de 2010.


Acordei sem pressa. Meu corpo ainda doía da caminhada do dia anterior. Levantei (por que acordar e levantar da cama são duas ações que podem estar espaçadas por um booom limite de tempo!), arrumei as coisas e desci para tomar café.


O gerente depois me acompanhou até o ponto onde eu poderia pegar uma carona até Lamayuru. Depois de certo tempo parou um amigo dele e ele me conseguiu uma carona até Ketsy, cerca de uns 12km dali. Chegando lá, a cidade se resumia à uma única rua, repleta de mercadinhos, onde os carros a caminho de Lamayuru paravam para abastecer e fazer um lanche.


Ao perguntar sobre ônibus que pudessem me levar a LamaYuru, disseram-me que só havia na parte da manhã, e que o único jeito então seria tentar uma carona, pois o táxi era caro, cerca de 600 rupias (não era caro se compararmos a distância que ele percorreria, mas eu sempre tinha como base o valor de uma estadia. Procurava evitar gastos únicos cujo valor superassem o de uma diária).


Não muito tempo depois parou uma pick-up cheia de monges budistas que tinham vindo à cidade para largar alguns de seus colegas e aproveitar para comprar algumas coisas. Em pouco tempo eles retornariam ao monastério, em Lamayuru… Pedi uma carona e eles deram.


O caminho, a “estrada” até Lamayuru era algo apavorante. A estrada ia subindo vertiginosamente junto com as montanhas. A largura permitia apenas um veículo, sem acostamento e sem proteção. De um lado, montanha, de outro, precipício.


Quando outro veículo vinha na direção oposta ou tentava nos ultrapassar, o carro encostava ao lado do precipício. Da janela via-se apenas a descida vertiginosa da montanha.


Lamayuru, enfim, é uma pequena vila situada bem, mas bem no alto das montanhas. O cume das montanhas que antes parecia tão longe da janela do carro agora estava logo ali, pouco depois dos telhados das casas. Não só o cume das montanhas, mas tive a impressão de que o céu também me parecia bem mais próximo ali.


Senti uma energia estranha, como se estivesse fora de mim. Talvez pela altitude, ou da magia do lugar em si, mas o fato é que não tinha dúvidas de que aquele lugar era realmente muito especial.


Logo resolvi… vou dar um tempo aqui, descansar mais um pouco, e meditar, pois para isso não precisava muito… o lugar e a natureza em si já me colocava  em estado meditativo.


– Sexto dia, Domingo, 06 de junho de 2010.

Desculpe… domingo né? só de “borest” mesmo…

– Sétimo dia, 07 de junho de 2010.


Levantei, fiz meu café (miojo com ovos) e tratei de arrumar a mochila novamente. Procurei o dono da Guest house e consegui o celular dele para mandar uma mensagem para meu amigo Salim em Leh, pedindo a este enviar um email para meus pais informando que tudo estava bem (mais tarde fui ver que a mensagem nunca chegou…)

A trillha de LamaYuru para Wanla é bem diferente da trilha entre Likir e Temisgan. Nesta, não existe estrada acompanhando a trilha. É montanha adentro mesmo, subindo e descendo… descendo e subindo. Avistei 5 antílopes selvagens no caminho.

Experimentei atravessar o que chamam de passagens. A passagem de Pringkiti tinha 3725m de altitude. Trata-se do encontro de duas montanhas, onde, neste ponto, é possível atravessá-las sem necessidade de utilizar equipamentos de escalada. Quando cheguei no ponto exato da passagem, muito cansado, me surpreendi ao avistar duas jovens adolescentes que vinham subindo pelo outro lado puxando uma vaca… na maior tranquilidade…

Chegando perto de Wanla avistei um riacho. Já havia caminhado das 08:30 ao 12:00. Era hora de dar uma parada e aproveitar para lavar a roupa no riacho. Tive bastante tempo para descansar enquanto a roupa secava ao sol. Depois então segui finalmente para Wanla, apenas mais os 2km que ainda restavam de onde eu estava.

Decidi esticar mais 7km até Fanjila, pois o caminho entre Wanla e Fanjila era por uma estrada, sem muitas subidas e descidas. Chegando em Fanjila, tratei logo de me alojar em uma Guest house e descansar, pois estava mesmo muito cansado.



– Oitavo dia, 08 de junho de 2010.


De Fanjila fui até Hinju, cerca de 4 horas de caminhada. Mas entre Hinju e Sumda Chenmo, seriam outras 7 horas… Resolvi ficar mesmo em Hinju, recuperar totalmente minhas forças para então, enfrentar mais 7 horas de caminhada entre as montanhas.


– Nono dia, “MY REBIRTH DAY” – 09 de junho de 2010.


Parte 1, a subida:



Acordei, tratei de arrumar logo as coisas e tomar café para sair o mais cedo possível afim de aproveitar o sol. Estranhei que durante o café a dona da Guest house por vezes ria quando eu dizia que eu iria para Sumda Chenmo logo em seguida. Seu marido, por outro lado, achou o que eu estava fazendo algo normal, e me passou uma certa tranqüilidade e segurança… O tempo estava bom, apesar de ter chovido na noite anterior.

No início da caminhada, ainda em Hinju, confirmava o caminho sempre que possível com os moradores locais com os quais eu cruzava, torcendo para que na verdade alguém me dissesse para não ir por ser muito difícil, perigoso etc e tal… Ainda no hotel em LamaYuru me preveniram, principalmente por estar indo sem guia, mas não dei muita importância, pois na maioria das vezes eles gostavam mesmo de assustar os turistas para vender um pacote de trekking com guia…

Havia deixado a Gust house às 07:30 e às 11:20 havia recém chegado na entrada que dava acesso à passagem Kengske. Praticamente já tinham decorrido 4 horas de caminhada, sempre subindo. Não de forma acentuada, mas sempre subindo.

O caminho a partir da entrada da passagem sim, parecia ser uma subida bastante vertiginosa, montanha acima, que ainda deveria levar umas 2 horas pelo que estimei (pois haviam me informado que o percurso total dava de 6 a 7 horas)…

Mas eu já estava bastante cansado da mochila que ainda pesava bastante que, depois de 4 horas de subida, fizeram muita diferença. Eu estava realmente esgotado…

Parei na entrada da passagem e comecei a pensar na hipótese de voltar. Estava com medo de não conseguir ou que algo acontecesse comigo. A outra possibilidade seria acampar ali mesmo, aproveitando uma precária estrutura feita com pedras mas que poderia servir de abrigo contra a neve e a chuva. Mas acampar ali, sem barraca, além de não descansar direito para continuar no dia seguinte, também passaria mais bocados durante a noite, pois ali a neve já anunciava seu poder em função da altitude.

Então parei e me lembrei de alguns velhos ditados que me motivaram e me convenceram a continuar… são eles:

1) saco vazio não para em pé;
2) devagar se vai ao longe;
3) tudo o que sobe depois desce.

Com base nestas premissas “inspiradoras”, decidi continuar… mas só depois de almoçar é claro!

Ainda na entrada da passagem, tirei meu fogareiro e almocei tranqüilamente uma boa refeição a fim de poder seguir em frente. Esperei uns 45 minutos para fazer um pouco a digestão (“siesta”) e recomecei…

Não olhava para trás nem tão pouco para frente… ou melhor… para cima! Olhava apenas para o chão onde, à passo de tartaruga, eu avançava. Se eu fosse devagar, não transpiraria, pois senti que transpirar naquela altitude significava passar frio… mas muito frio mesmo!!!


Toda vez que uma nuvem cobria o sol, e o vento forte das montanhas batia contra meu corpo suado, me sentia como atravessado por uma lâmina de tanto frio. Então, caminhando bem, mas beeem devagar, eu quase não transpirava e desta ameaça pelo menos eu estava salvo…


Então eu segui, sempre subindo à passo de tartaruga. Alguns montes de pedras no caminho me indicavam que eu estava na trilha certa, mas ao mesmo tempo ainda estava muito fácil se perder, pois o terreno rochoso e a trilha pouco usada, por vezes não deixava claro que caminho seguir.


A certa altura resolvi olhar para cima e depois para trás… então me assustei! O pico da montanha que antes parecia imponente, invencível lá de baixo, agora já não estava tão mais alto do ponto onde eu me encontrava. A trilha a partir dali, porém, estava confusa para seguir… Entretanto havia uma trilha, feito por alguém que havia passado na noite anterior usando como meio de transporte algum animal, pelas pegadas possivelmente um burro.


Decidi por seguir a “trilha dos burrinhos”. Apesar dela dar muitos contornos pela montanha, ainda era mais seguro seguir por ela, pois eu aproveitava os sulcos feitos naquele terreno rochoso feito pelas patas dos animais. Qualquer outro caminho me parecia extremamente perigoso, pois seguir em um terreno rochoso seco, seria pedir para escorregar e descer rolando montanha abaixo. Foi então que me veio o quarto ditado: “Em caso de risco de vida, siga a trilha dos burrinhos!” hehehe


E seguia, à passo de tartaruga, a trilha dos burrinhos… mas depois de algum tempo começou a bater o pavor…


A trilha dos burrinhos era segura, mas a cada contorno, quando eu pensava que seria o último antes de começar a descer, outro contorno, outra subida se anunciava. Eu achava que a passagem seria como na última, situada no encontro entre 2 montanhas… mas quanto mais eu subia, mais próximo eu estava do pico… e isso começou a me assustar de verdade…


Também já era tarde demais para voltar, pois isso me parecia, nas condições físicas e emocionais nas quais eu me encontrava, ainda mais perigoso que seguir em frente. Eu estava em uma situação em que eu era, em absoluto, 100% responsável pelas minhas decisões. Não havia ninguém para pedir uma opinião, ninguém para pedir um conselho… não havia ninguém. E o pior era que tudo que eu havia decidido até então parecia-me estar colocando-me em uma situação de risco de vida cada vez maior!


Avançando um pouco mais percebi que o cume realmente poderia estar próximo, e, mais um pouco, eu pararia finalmente de subir… Mas mesmo isso não me deixava nada seguro ou confortável…


Chegou ao ponto em que fui obrigado a encontrar um pensamento que não me permitisse entrar em pânico… pensei: bom… se for para minha história ter fim nessa montanha, que pelo menos seja no cume! Isto seria minha última meta… meu último objetivo…


Por outro lado comecei a pensar muito na minha sobrinha Manuela… que se eu não voltasse, quantas coisas, quantas histórias ela não ouviria dessa viagem… Seria até bom que eu voltasse… por causa dela, pensei.


Então finalmente cheguei ao cume!!! Que alívio!!! Dali para frente era realmente só descida e, para descer, senti que meu corpo ainda conseguiria dar conta apesar de tudo…


Depois de uns 20 minutos de êxtase e fotos, era hora de começar a descer…

Parte 2, a descida:

Mas o que parecia simples foi ficando não tão simples assim…

Avistava um pouco mais adiante um totem, que possivelmente seria a trilha de descida. Mas havia um trecho com neve onde eu estava e o totem… não havia outro jeito, pensei… seria preciso atravessar a neve…

Notei que animais haviam deixado suas pegadas recentemente sobre a neve, me passando a impressão de que o caminho seria por ali mesmo… pois percebi que as pegadas afundavam apenas alguns centímetros…

Mas por segurança, no início, usei meu cajado para verificar a profundidade da neve… estava ok… alguns poucos centímetros de profundidade… menos que 10 com certeza…

Então avancei, um, dois passos e “vupt” afundei e já estava com neve pela cintura!!!

“Mamamia!!!”, pensei… seu avançar mais pode acontecer de eu ficar preso na neve, afundar de vez, ou, então, AVALAAAAAANCHEEEE!!!

Fiquei 30s sem ação… esperando que alguma coisa pior fosse acontecer naquele instante! mas 30s se passaram e eu ainda estava ali, com neve pela cintura, mas vivo…

Tratei então de retornar imediatamente pisando exatamente sobre as pegadas que eu havia feito… continuar seria realmente suicídio…

Assim que pisei em solo firme novamente bateu o pavor… e agora??? como vou continuar se não consigo chegar na trilha que desce? to fud….!!!

Esperaria a neve passar? Arriscaria a descida pelo terreno rochoso sem trilha? Mas lembrei da quarta premissa… a trilha dos burrinhos!!! Pensei que se eles subiram, também tiveram que descer! E comecei a procurar a trilha com as pegadas no meio da neve…

Finalmente encontrei! Os burrinhos também desceram a montanha!!! Ufa! Dali para frente era só descida, contornando a montanha, pela “trilha dos burrinhos”…

Pouco depois já seguia ao lado do rio, conforme indica o mapa. É só continuar pelo rio, pensei… que logo chegaria a Sunda Chenmo…

Parte 3, a reeeeeeeta final:

Mais horas e horas de caminhada e nada… Havia iniciado a descida eram em torno de 15 horas. Já eram 18 e nada do vilarejo de Sunda Chenmo…

Observei algumas trilhas que subiam e desciam o rio e avançavam um pouco acima das montanhas. Comecei a acreditar que talvez o vilarejo não estivesse ao longo do rio e que, para chegar a até ele, teria sido preciso pegar uma determinada trilha que subisse e levasse ao vilarejo, escondido em meio às montanhas…

Mas eu não tinha mais condições físicas de subir novamente… O pior mesmo já havia passado, mas ainda assim isso seria muito arriscado… Descartei essa possibilidade e continuei caminhando ao longo do rio. Sempre descendo pelo menos…

Já entre 18 e 19 horas, ou seja, passadas quase outras 4 horas de caminhada, concluí que possivelmente havia passado a entrada do vilarejo de Sunda Chenmo. Deveria ter pego uma das trilhas que saíam do rio e entrada em direção às montanhas…

Mais um aperto… mas pelo menos não estava frio e eu tinha água à vontade e comida para alguns dias… só me faltava um teto para passar a noite…

Continuei, já pensando agora no próximo vilarejo de Sunda Do… encontrei um pequeno estábulo abandonado nas montanhas. Já não aguento mais, pensei, é aqui mesmo que eu vou ficar…

Deixei a mochila no estábulo. Ali eu estaria protegido da neve, vento e chuva. O último problema do dia já estava resolvido.

Avancei um pouco mais à frente, na esperança de encontrar algum totem de pedra que indicasse que eu estava ainda na trilha… que me dissesse que eu não estava perdido…

mas nada… de fato, passei o vilarejo de Sunda Chenmo… Voltando meu olhar para o estábulo, já pensando em “fazer a cama”, avisto no alto, do outro lado do rio, um grupo de nômades conduzindo um rebanho de iaques, cabritos, burros e vacas!!!

Sem pensar, comecei a descer em direção ao rio para atravessá-lo e subir novamente até onde as pessoas estava. Precisava saber onde raios eu estava!!!

Eram nômades que em Ladakhi, tentavam me dizer que Sunda Chenmo estava mais à frente e que elas também estavam indo para lá para levar o rebanho! Não consegui expressar minha pergunta para saber o quão longe ainda estava, mas decidi ir com elas mesmo assim… pelo menos não estava mais sozinho e, também, chegaria com certeza ao vilarejo… Mesmo que eu não aguentasse, ou algo me acontecesse dali para frente, eu não estaria mais sozinho…

Em seguida eu estava com elas ajudando a tocar o rebanho… Aquele momento inundou minha alma com uma felicidade que não tenho como descrever… felicidade que me deu forças para continuar seguindo… as vezes pelo rio, as vezes tendo que subir um pouco as montanhas…

E continuamos, eu, elas (as nòmades) e o rebanho. Mas o diacho do vilarejo não chegava!!! Já estava escurecendo e nada… simplesmente não aguentava mais caminhar!!! Atrás de mim apenas uma única vaca, que ainda mancando, conseguia me ultrapassar vezes por outra….

Mas enfim… cheguei!!! Eram em torno de 20:00 e encontrei uma Guest house onde pude tomar um chá quente e experimentar uns bons copos de cerveja artezanal, feita em casa… Depois comer e.. finalmente.. dormir!!!

– Décimo dia, 10 de junho de 2010: Sunda Do

As 4 horas finais de caminhada até o destino final, Sunda Do, também não foram das mais fáceis. Desta vez pelo menos não tinha perdida, era só seguir a trilha que acompanhava o rio.

Mesmo assim em certo ponto, não percebi uma trilha que subia as montanhas, pois seguindo pelo rio não haveria como continuar. Como passei desta trilha, continuei seguindo para depois de 40 minutos concluir o óbvio… que seria impossível continuar pelo rio.

Voltei e encontrei a trilha certa, continuando meu trajeto. Eu ainda não estava completamente recuperado do dia anterior e muitas vezes a trilha ficava à uma altura considerável em relação ao rio. Tive medo de tropeçar, ou que me desse um mal súbito, enfim… qualquer coisa…. o fato é que a altura, naquelas condições, me deixou com muito medo… Não propriamente a altura, mas sim minha condições físicas e emocionais.

Enfim cheguei à rodovia, onde o rio encontrava um rio maior. Sunda Do não tem nada, apenas algumas casas. Eram 17:30… Encontrei uma Guest house onde ficaria até o dia seguinte, onde talvez eu conseguisse uma carona de volta à Leh.

– Décimo primeiro dia, “o retorno” – 11 de junho de 2010

Acordei, tomei café e então comecei o processo de aguardar uma carona. 4 jeeps cruzaram no sentido contrário, em direção à Chilling. Isso significa que mais cedo ou mais tarde eles voltariam. Finalmente, cerca de 11 horas da manhã, consegui uma carona com um casal de turistas alemães, que me deixaram em frente ao Hotel do meu amigo Salim, em Leh.

FIM

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