Filosofia Moderna I – Descartes: O Discurso do Método (GA-T3)

FILOSOFIA MODERNA I : 2019-2

GRAU A

Ubirajara Theodoro Schier


3. Descartes: O Discurso do Método

3- Descartes é um dos principais representantes da filosofia moderna que se preocupou em desenvolver um método para o estudo sistemático da verdade e da natureza. Descreva as principais características do método filosófico desenvolvido por Descartes. Explique e comente seus princípios da moral provisória e como estes se relacionam com o método. Cite ao longo de sua reflexão os principais trechos de sua obra “Discurso do Método” mais pertinentes.

O Discurso do Método é um tratado matemático e filosófico de René Descartes, publicado no ano de 1637. Esta obra, juntamente com outras do próprio autor, inaugura o racionalismo científico,  como um dos percursores da filosofia moderna. Suas ideias formaram os alicerces para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia para promover a ordem e o progresso social.

O Discurso do Método não trata somente da descrição do método criado pelo autor para se buscar a verdade, mas, também, suas implicações morais e metafísicas. Neste trabalho será tratado o método científico de Descartes, suas implicações morais e a relação entre essas implicações e o método em si.

[a] O método de raciocínio criado por Descartes para buscar a verdade das coisas, consiste nas seguintes premissas:

[1] Não aceitar algo como verdadeiro até que tenha sido devidamente examinado

“O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente e a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida.” (D., Parte II, p.13)

Comentário: Praticamente deve-se duvidar de quase tudo o que se conhece. Todas as coisas, para serem verdadeiras, não basta que assim sejam declaradas, é preciso, por coerência, serem analisadas pelo mesmo método utilizado para validar as coisas novas. De uma forma geral, somente poder-se-a considerar realmente verdadeira as coisas quando, submetidas ao método científico, resultem como verdadeiras.

[2] Analisar o todo decompondo-o em partes

“O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las.” (D., Parte II, p.13)

Comentário: Nesta premissa deve-se decompor o todo em partes, até que se possa compreendê-las de forma que as verdades nelas encontradas sejam indubitáveis. Esta premissa inaugura o que depois se conhecerá por processo Dedutivo (mais popularmente conhecido como “dividir para conquistar”).

[3] Sintetizar as partes agrupando-as de acordo com sua complexidade

“O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros.” (D., Parte II, p.13)

Comentário: Nesta premissa, os objetos conhecidos são agrupados de acordo com aquilo que tem em comum com o objetivo de se chegar à uma regra geral. A cada grupo de objetos e assim por diante, em relação aos grupos de grupos de objetos, busca-se alcançar verdade gerais à respeito dos mesmos à medida em que se avança as sínteses, partindo do mais simples, para o mais complexo.

[4] Enumerar e revisar os resultados obtidos para que nada importante seja omitido

“E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir.” (D., Parte II, p.13)

Comentário: Importante não somente após, mas durante os processos seguintes, o acompanhamento formal das ações de causa e os resultados obtidos, a fim de que, posteriormente, possa ser possível justificar e apresentar as verdades e os resultados alcançados, por meio da repetibilidade do processo.

[b] A moral provisória:

“E enfim, como não basta, antes de começar a reconstruir a casa onde se mora, derrubá-la, ou prover-se de materiais e arquitetos, ou adestrar-se a si mesmo na arquitetura, nem, além disso, ter traçado cuidadosamente o seu projeto; mas cumpre também ter-se provido de outra qualquer onde a gente possa alojar-se comodamente durante o tempo em que nela se trabalha; assim, para não permanecer irresoluto37 em minhas ações, enquanto a razão me obrigasse a sê-lo, em meus juízos, e de não deixar de viver desde então de o mais felizmente possível, formei para mim mesmo uma moral provisória, que consistia apenas em três ou quatro máximas que eu quero vos participar.” (D., Parte III, p.16) 

Comentário: Partindo do princípio que em algum momento da busca pela verdade todas premissas seriam colocadas em dúvidas, não havendo assim nenhuma verdade à seguir, Descartes percebeu a necessidade de estabelecer algumas premissas morais temporárias, que o orientariam caso ele se colocasse nessa condição. Dessa forma, a fim de poder seguir na busca pela verdade da maneira mais racional possível, estabeleceu três premissas que pudessem orientá-lo durante a execução do método.

[1] “Obedecer às leis e os costumes de meu país”

A primeira era obedecer às leis e aos costumes de meu país, retendo constantemente a religião em que Deus me concedeu a graça de ser instruído desde a infância, e governando-me, em tudo o mais, segundo as opiniões mais moderadas e as mais distanciadas do excesso, que fossem comumente acolhidas em prática pelos mais sensatos daqueles com os quais teria de viver.” (D., Parte III, p.17)

Comentário: Com esta moral provisória, Descartes assume que, quando todas as premissas tiverem sido postas em dúvida, e este colocar-se em uma condição em que precisará decidir entre obedecer as leis e os costumes de seu país, ele optará provisoriamente por obedecer, até que a descoberta de novas premissas contraditórias possam lhe revelar fazer o contrário.

[2] “Ser o mais firme e o mais resoluto possível em minhas ações”

E, assim como as ações da vida não suportam às vezes qualquer delonga, é uma verdade muito certa que, quando não está em nosso poder o discernir as opiniões mais verdadeiras, devemos seguir as mais prováveis; e mesmo, ainda que não notemos em umas mais probabilidades do que em outras, devemos, não obstante, decidir-nos por algumas e considerá-las depois não mais como duvidosas, na medida em que se relacionam com a prática, mas como muito verdadeiras e muito certas, porquanto a razão que a isso nos decidiu se apresenta como tal. E isto me permitiu, desde então, libertar-me de todos os arrependimentos e remorsos que costumam agitar as consciências desses espíritos fracos e vacilantes que se deixam levar inconstantemente a praticar, como boas, as coisas que depois julgam más.” (D., Parte III, p.18)

Comentário: Com esta moral provisória Descartes assume a necessidade, na incapacidade de discernir entre o que é mais verdadeiro, de assumir aquilo que lhe pareça o mais próximo da verdade. Ele seguirá então essa verdade provisória por meio de sua investigação até o seu fim, ou seja, até que algum resultado seja alcançado (e assim sucessivamente, seguindo sempre a “pista” mais provável em direção à mais verdadeira).

[3] “Procurar sempre antes vencer a mim próprio do que à fortuna, e de antes modificar os meus desejos do que a ordem do mundo”

Minha terceira máxima era a de procurar sempre antes vencer a mim próprio do que à fortuna, e de antes modificar os meus desejos do que a ordem do mundo; e, em geral, a de acostumar-me a crer que nada há que esteja inteiramente em nosso poder, exceto os nossos pensamentos, de sorte que, depois de termos feito o melhor possível no tocante às coisas que nos são exteriores, tudo em que deixamos de nos sair bem é, em relação a nós, absolutamente impossível. E só isso me parecia suficiente para impedir-me, no futuro, de desejar algo que eu não pudesse adquirir, e, assim, para me tornar contente.” (D., Parte III, p.18)

Comentário: Com essa premissa, Descartes estabelece como premissa, frente à uma necessidade, de procurar sempre modificar-se a si próprio antes de procurar querer modificar aquilo que lhe é exterior. Dada essa circunstância, ele optaria sempre por adaptar-se primeiro ao mundo no lugar de querer que o mundo venha se adaptar à ele.


REFERÊNCIAS

DESCARTES, René. Discurso do Método; [tradução de Tradução de Jacob Guinsburg e Bento Prado Jr.].

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